Crítica: O Saldo da Guerra (dir. Mário Zeymison)

Texto: Franklin Lessa. Revisão: Leonardo Amaral.

Um ano em um minuto: a falta dos que foram para o lado de lá

A transição de 2018 para 2019 foi inconsequente. Uma palavra bonita para não dizer que foi doida mesmo. Inclusive, essa segunda seria uma definição que muita gente provavelmente concordaria. Não tive dúvidas após sair de uma sessão no cinema em que foi exibido O Saldo da Guerra (2018), de Mário Zeymison. Com apenas um minuto, arrancou aplausos e identificação do público presente, pairando no ar a certeza da insanidade que foi esse último ano.

Antes fosse aquele frenesi positivo em que a geração do “sexo, drogas e rock’n roll” fala com entusiasmo em relação a década de 70. Quem me dera referenciar esse momento passado em que a liberdade gritou através desse movimento, para fazer um link com o curta exibido e os sentimentos demonstrados pelos espectadores. A representação daquele minuto vale por um ano inteiro, ou mais. Foi tempo de perdas, que poderiam ter sido poupadas. Acredito que se você chegar em um grupo de pessoas e questionar sobre o movimento político mais recente do Brasil, será comum o comentário sobre muitos amigos e afetos que se foram por consequência de opiniões diversas sobre a atual conjuntura.

Essa semana mesmo ouvi no ônibus coletivo um senhor resmungando sobre o fato de que em grupos do WhatsApp houve “a maior guerra” durante o período eleitoral. Segundo ele, todo mundo se “batia”, ninguém conversava de verdade e o que predominava era o ataque, isso apenas porque o outro pensava diferente. E as opiniões são muitos diversificadas além da bolha.

Será que nós prezamos pelo sentimento que depositamos durante anos por alguém ao entrar em cena o jogo político? Nossa admiração pelo ente antigo vai esmaecer ao ouvi-lo expor suas concepções? E se questionarmos profundamente, somos egoístas quando não compreendemos o desejo do próximo? Incluindo aqueles tantos que estiveram ao nosso lado em certo percurso da vida?

Às vezes ao tentar ponderar respostas para indagações como essas, a paciência se esvai e o desejo de jogar tudo para o alto e apenas esquecer ocupa o espaço, assim como reagiu o último personagem do curta. Talvez esse momento da ficção que arranca boas risadas nos representa quando, na vida real, nos permitimos não lembrar dos momentos bons e sentimentos sinceros que tivemos com aquele que habita o mesmo ambiente que estamos, e por algum motivo foi de contra a nossa maré.

Os créditos do filme aparecem tão rápido quanto o nosso riso. Junto a isso, me veio também a percepção de que o espectador pode ter sido pego de ímpeto sobre ter perdido o convívio com muita gente em pouco tempo. Nessa hora a impaciência sobre as reflexões e identificações sobre o que foi visto na tela surge mais uma vez, até chegar o momento em que fica claro quem são os verdadeiros inimigos e quem de fato veio e vem constantemente contra a nossa maré.

O Saldo da Guerra inquieta, estimula a reflexão sobre o que foi desperdiçado nesse meio tempo em que praticamente nada foi ganho. Um ano em um minuto. Pouco tempo para muitos acontecimentos, ou o suficiente para argumentar acerca de como caminha a humanidade?

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