Crítica: Teresa (dir. Nivaldo Vasconcelos)

Texto: Thame Ferreira. Revisão: Chico Torres.

Cinema em sacramento com a performance 

“Ó deuses que regem o mundo das trevas e do silêncio,
Aos quais vêm juntar-se todos os filhos das mulheres.
Todas as coisas belas acabam aqui um dia, diante de vós.’
Orfeu

Dizem que os deuses do Olimpo eram os supremos especialistas em música. E que nem o poder da voz das sereias, ao qual nem os mais insensíveis resistiam, chegava perto da qualidade musical divina. Apenas um mortal com canções e sua lira teria chegado perto dessa aptidão: Orfeu. Poderíamos arriscar um apadrinhamento cósmico de Orfeu ao curta-metragem Teresa, realizado por Nivaldo Vasconcelos.

Ainda nesse lugar entre o divino e o  humano – universo onde acontece o filme – reza a lenda que até Sísifo deu uma pausa de empurrar sua pedra morro acima e sentou-se nela para admirar o espetáculo de Orfeu. Posso dizer que fizemos o mesmo no início do segundo dia da Mostra Sururu de Cinema Alagoano. Nessa colina dolorosa do nosso cotidiano, recostamos as pedras que carregamos e fomos tomados por Santa Teresa de Ávila e a “encarnação” da performer Pam Guimarães. Ela que, aliás, ganhou o prêmio de melhor performer por sua atuação em Teresa, está assustadora e apaixonante na tela. O primeiro elemento de destaque nessa obra é a forma como o silêncio faz música e dança com as imagens. Há uma escolha primorosa de sutis elementos sonoros, trazendo-os para o primeiro plano, como parte central dessa experiência fílmica.

Demorei para escrever sobre Teresa por ter mexido comigo profundamente. O corpo e a clausura; ser mulher;  ser crítica; gozar ao ter o peito atravessado pelo desconhecido… A delicadeza dos elementos em cada quadro nos aproxima de Santa Teresa de Ávila como não racionalizei ser possível. O fator do imponderável está presente em toda a obra.

Certo que o formato foge de um modelo tradicional de cinema e de atuação. Ali mistura-se cinema com performance, pois até a câmera tem elementos performáticos. A arte funciona para câmera como para performer retratada: tudo deve passar pelo seu corpo. Tudo passou pela carne e a matéria da câmera, numa dança de uma harmonia impressionante.

E o curta é arriscado, sai do lugar comum da narrativa dramática, mas numa relação quase antropofágica com o drama. Deglute o que precisa, vomita e, no final, digere. E sim, é um filme indigesto, mexe com imaginários sagrados e profaniza experiências de fé à medida que  a conduz através de um corpo nu, humano, pecador.

Além de chorar torrencialmente, enjoei, o coração acelerou, me assustei. Quando o quadro final apareceu, a sala de cinema estava meio em choque, em uma vibração coletiva parecida com experiências com o gênero do terror, como se não soubéssemos definir o que tinha acabado de acontecer. Sabe quando um evento avassalador acontece em sua vida? Na oitava Mostra Sururu de Cinema Alagoano esse evento foi Teresa.

1 Comentário em Crítica: Teresa (dir. Nivaldo Vasconcelos)

  1. Texto muito bem escrito. Novamente me vejo na sala de cinema ao ler os sentimentos diante das imagens na tela. O fato de a demora no processo de escrita ser descrita no texto coloca ao leitor a questão de que muitas vezes um filme, para ser apreciado da melhor forma, necessita do tempo de reflexão e absorção de suas escolhas estéticas e de seus elementos cênicos. Parabéns.

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