Os ingressos gratuitos para o primeiro dia de exibições da VIII Mostra Sururu de Cinema Alagoano começaram a ser distribuídos às 17h da quinta-feira (14). E pouco depois das 19h, horário marcado para a cerimônia de abertura, as duas salas do Centro Cultural Arte Pajuçara já estavam cheias de gente esperando para ver os sete filmes que abririam a mostra deste ano.
Na curadoria feita pelos cineclubistas Aline Silva, Beatriz Vilela e João Dias, a noite começou com a morte de uma sardinha e terminou com a agonia de um pirarucu. A sardinha em questão representa o primeiro bispo do Brasil, Dom Pero Fernandes, que foi devorado em um ritual dos índios caetés, em Alagoas, em 1556. Em pouco mais de três minutos, a animação Tupi or not tupi conseguiu retomar de forma original o tema histórico que já foi tratado no reconhecido média-metragem História Brasileira da Infâmia, de Werner Salles, em 2005.
Tupi or not tupi tem direção coletiva e foi produzido a partir da Oficina de Cinema do Sesi, realizada na cidade de Coruripe, em 2016. Com bom humor e muitas referências do movimento modernista brasileiro, a animação usa o episódio da morte do Bispo Sardinha para refletir sobre o extermínio dos índios caetés. “Qual canibalismo foi mais devastador?”, questiona a sinopse da obra.
Já o pirarucu é um dos peixes que agonizam nos braços dos pescadores retratados nO Peixe, de Jonathas Andrade, filme convidado que não participa da competição. O curta mostra uma sequência de cenas de pesca onde os animais são abraçados até morrerem sem oxigênio. Assim como em Tupi or not tupi, é novamente um ritual que dialoga com as relações humanas de força, violência e dominação. Apesar de ser divulgado como um documentário, O Peixe traça um limite tênue com a ficção, já que o ritual foi inventado pelo diretor, apesar dos pescadores serem reais.
E outro Peixe também roubou a cena na primeira noite da Mostra Sururu. Responsável pelo som direto do documentário Furna dos Negros, o alagoano Peixe Dias permitiu ao público escutar com clareza as vozes dos quilombolas do Tabacaria, primeiro quilombo de Alagoas a receber o título da terra, depois de uma longa batalha judicial. Um trabalho técnico de som que superou as dificuldades naturais dos locais de filmagem. “A gente tava no cume da Serra, era complicado por causa da ventania, mas conseguimos”, lembrou Peixe.
Furna dos Negros foi o segundo filme exibido no evento. Dirigido pelo jornalista Wladymir Lima, foi gravado em Palmeira dos Índios e traz os depoimentos do casal Gerson e Dominícia Paulino dos Santos, os primeiros quilombolas da comunidade Tabacaria a conquistarem casas de alvenaria. Ao longo do filme, os dois narram a história dos antepassados negros, que escaparam à escravidão em Alagoas, tendo como principal esconderijo uma caverna no Planalto da Borborema. Além do som direto, o documentário se destacou pela direção das cenas gravadas dentro e no entorno da furna, até hoje exaltada como símbolo da resistência negra na região.
Aliás, “resistência” foi a palavra que marcou a noite, surgindo já no texto do cerimonial conduzido pelo produtor cultural Julien Costa. Ele lembrou que a Mostra Sururu chega à sua oitava edição incentivando e reconhecendo as produções audiovisuais “genuinamente alagoanas”.
Isso apesar de todas as dificuldades financeiras, que incluem, por exemplo, o atraso no pagamento de editais como o IV Prêmio de Incentivo à Produção Audiovisual de Alagoas, lançado no ano de 2016 em parceria com a Ancine, que ainda não foi quitado pelo governo de Alagoas. O atraso acirrou os protestos do setor audiovisual contra a atual secretária da Cultura de Alagoas, Mellina Freitas. E ela não compareceu à cerimônia de abertura da Mostra Sururu, embora o evento seja patrocinado pela Secult.
Em seu lugar, a superintendente de Identidade e Diversidade Cultural da secretaria, Perolina Lyra, garantiu que os pagamentos atrasados há um ano serão pagos ainda neste mês de dezembro e novos editais serão lançados em 2018. A fala foi seguida pelo empresário Felipe Guimarães, membro do Fórum Setorial do Audiovisual Alagoano (Fsal). “Se a gente não consegue convencer de que a cultura é importante por si só, vamos lembrar como o cinema movimenta a economia no Brasil”, ressaltou.
De acordo com a Ancine (Agência Nacional de Cinema), o setor injetou R$ 24,5 bilhões na economia brasileira em 2014 e movimentou US$ 1,74 bilhão entre importações e exportações de serviços audiovisuais em 2015.
O tom político de protesto é a base de uma das produções selecionadas para a mostra deste ano. Uma Interrogação para o Mundo, filme experimental de Arnaud Borges, foi o quarto a ser exibido e trouxe a atriz Ticiane Simões vestida em uma camiseta do Mova, movimento que defende as políticas públicas para a cultura em Alagoas e tem envolvido diversos atores sociais em debates relevantes sobre o setor no estado. Em pouco mais de três minutos, a atriz movimenta-se enquanto declama um manifesto escrito pelo diretor. Fazer cultura é um ato de resistência, é o que defende o filme.
Talvez por isso a opção da curadoria de exibi-lo após Enéias, o Picapau, documentário do aclamado Celso Brandão com relatos do cordelista deodorense Enéias Tavares dos Santos. A realidade dura e a vida sofrida estão estampadas tanto no rosto e nas mãos do escritor, que aparece em close do início ao fim do vídeo, como nas histórias contadas ao longo de 13 minutos. Em todas elas, “eu sempre voltei pro cordel”, conta Enéias. É arte ajudando a resistir à vida.
O terceiro documentário e sexto filme exibido na mostra foi Cadê minha casa que estava sempre aqui?, da diretora Renata Baracho. Um dos quatro filmes entre os dirigidos por mulheres dentro da programação do evento, o documentário apresenta as memórias da diretora e dos dois irmãos a partir da casa onde viveram a infância em Maceió. O espaço, hoje vazio, é a base do filme para discutir a relação familiar e as mudanças das relações com o espaço urbano ao longo do tempo.
Além dos documentários, da animação e do experimental, a primeira noite da Mostra Sururu também abriu espaço para duas ficções produzidas em Alagoas, que fogem dos temas regionais e buscam temas universais. Ressonância, dirigido por Fabiana de Paula, é o silencioso drama da menina Luísa para lidar com a perda da audição aos oito anos de idade. Destaque para a atriz mirim Luisa Vila Nova, que interpreta a protagonista e, com praticamente nenhum diálogo e muita expressão facial, conduz naturalmente a trama de quase 15 minutos. O filme foi um dos premiados com a Lei Municipal de Incentivo à Cultura no edital do Prêmio Guilherme Rogato, da Prefeitura de Maceió.
Já A noite estava fria foi o filme responsável por levar muitos adolescentes ao Centro Cultural Arte Pajuçara nessa quinta-feira. Dirigida por Leonardo Amaral, a ficção mostra a história do casal Bruno e Caio, dois jovens que mantêm um relacionamento à distância e só podem se encontrar ocasionalmente. O filme também toca em temas como espaço urbano, solidão e insegurança.
A VIII Mostra Sururu de Cinema Alagoano continua até domingo no Centro Cultural Arte Pajuçara, sempre com os ingressos sendo distribuídos a partir das 17h e exibição da mostra competitiva a partir das 19h, com filmes que concorrem aos prêmios oferecidos pelo Júri Oficial, o Júri Popular e pelos integrantes do Laboratório de Crítica Cinematográfica.
Confira a programação dos próximos dias:
SEXTA, DIA 15
16h – Conversa: “Produção Independente de Conteúdos Audiovisuais – a Experiência da Pavirada Filmes”, com João Paulo Procópio
19h – Mostra Competitiva
FILMES:
Teresa. Nivaldo Vasconcelos, Ficção, 19min
Avalanche. Leandro Alves, Ficção 21min19seg
Imaginários Urbanos. Glauber Xavier, Documentário, 15min
Onde Você Mora?. Direção Coletiva, Documentário ,13min
Trem Baiano. Robson Cavalcante e Claudemir Silva, Documentário. 28min23seg
Eu me preocupo. Paulo Silver, Ficção, 19min35seg (FILME CONVIDADO)
21h – Debate com os realizadores
SÁBADO, DIA 16
16h – Conversa: “Curadoria e Crítica nos festivais – Experiências”, com Camila Vieira e Eduardo Valente
19h – Mostra competitiva
FILMES:
Entrerio. Larissa Lisboa, Experimental, 11min57seg (FILME CONVIDADO)
Delas. Karina Liliane, Documentário, 15min23seg
A Batida da transformação. Levi Yuri, Documentário, 14m48seg
Meninos do Francês. Duda Bertho, Documentário, 15min32seg
Entre as Linhas do Tear. Marcelo Nivaldo da Silva Junior, Documentário, 10min50seg
O Carpinteiro de Jesus. Celso Brandão, Documentário, 15min32seg
Os Desejos de Miriam. Nuno Balducci, Ficção, 19min32seg
As melhores Noites de Veroni. Ulisses Arthur, Ficção 16min
21h Debate com os realizadores
DOMINGO, DIA 17
14h – Reunião dos Cineclubes de Alagoas
16h – Reunião FSAL: Planejamento do Fórum Audiovisual Alagoano para 2018
19h – Sessão Homenagem ao Cineasta Pedro da Rocha
Sobrevivências, Documentário, 20 minutos
O mar de Corisco, Documentário, 20 minutos
20h – Cerimônia de Premiação
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