Entre imagens e inspirações, uma entrevista com Ulisses Arthur

Perguntas de Karina Liliane e Larissa Lisboa. Respostas de Ulisses Arthur. Foto destaque: Lílis Soares.

Em setembro de 2017, Ulisses Arthur esteve com parte da equipe e elenco de “As Melhores Noites de Veroni” no 50º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro (texto de cobertura de Rafhael Barbosa), circulou com seus curtas (As Melhores Noites de Veroni e CorpoStyleDanceMachine) por outras mostras e festivais, enquanto desenvolvia em Viçosa-AL o roteiro e a preparação de elenco de “Ilhas de Calor que tem estreia prevista para o dia 05 de setembro no 29º Festival Cine Ceará.

Karina Liliane e Larissa Lisboa procuraram Ulisses para saber mais sobre os processos de seus curtas, sobre a relação dele com cinema, com a graduação, permanência em Maceió e sobre a seleção do projeto de seu primeiro longa metragem “Não Estamos Sonhando” pela nona edição do BrLab – desenvolvimento de projetos audiovisuais que será realizada em outubro em São Paulo.

Larissa Lisboa: Como teve início a sua paixão pelo cinema?

Ulisses Arthur: Acho que tiveram muitos inícios e a cada vez que o tempo passa eu conto um novo. Mas a lembrança que tenho mais forte agora é de quando durante o meu ensino médio ganhei minha primeira bolsa de estudos pra trabalhar em uma biblioteca específica do curso de letras, uma biblioteca dedicada a literatura mundial. Além de aumentar meu repertório de livros lidos eu tinha grana pra acessar atividades culturais da cidade, o cinema era uma delas. Meus finais de semana eram preenchidos com sessões de cinema, as vezes três em um só dia. Foi nessa época que comprei a minha primeira câmera e comecei a filmar tudo o que via pela frente. No ensino médio também eu tive a sorte de ter uma turma muito engajada em realizar coisas, a gente adorava fazer peças teatrais pros eventos da escola e nessa época cheguei a escrever três roteiros e os três foram encenados. Era uma época em que o datashow era o que tinha de mais moderno, então com a minha câmera a gente fazia vídeos que permeavam o espetáculo tipo uns interlúdios. Enfim, foi muito interdisciplinar e muito natural perceber o cinema ao meu redor e como tudo no cotidiano podia virar uma super cena.

LL: Como foi mergulhar na graduação de cinema e audiovisual?

UA: Eu sempre fui muito de fantasiar as coisas. Então sair do estado pra estudar cinema pra mim era uma super aventura, de algum modo eu consegui me jogar e abstrair coisas que eram muito duras e que precisam de um tempo pra serem assimiladas. Ficar longe da família e de amigos, lidar com grana, em alguma medida lidar com a “solidão da viagem”. Mas pra mim foi maravilhoso, faria tudo outra vez. Não tive uma formação de cinema em casa com meus pais, então a universidade foi bem base mesmo pra formar meu repertório e posicionamento crítico.

Acho que a parte mais bela foi aprender com a rede de relações que se criam a partir sala de aula. Aprendi demais com meus colegas e professores. Quando a gente fazia exercícios práticos de filmar cenas e apresentar em sala de aula era maravilhoso por que a gente aprendia demais com o nosso exercício e também com o exercício do outro. Cada estudante de cinema ao seu modo tinha uma investigação de linguagem mas também tinha uma investigação humana, de temas e questões que precisavam ser tocados. Então eu via esse espaço como um espaço de germinar coisas. Muitas coisas que faço e prático hoje vem sendo germinadas de longe.

Karina Liliane: Quais as dificuldades que você encontrou ao longo da graduação ao se permitir esse mergulho?

UA: Tem um momento do curso que acho bem complexo que é quando chega no meio, 3º, 4º semestre. É quando passou o encantamento e o deslumbre do começo e quando você precisa de algum modo já encontrar caminhos pra seguir, compreender quais são suas potências e também sobre o que você quer fazer. Acredito que a maior dificuldade da graduação é pensar a longo prazo, tentar enxergar as possibilidades de caminhos que você tem pra seguir. E como o cinema é um rolê tão incerto, que depende de tanta coisa, de pessoas, de contextos, dá um medo de compreender como isso pode se tornar uma profissão e que você consiga se sustentar.

KL: “As melhores noites de Veroni” foi teu primeiro filme feito de forma não independente, com financiamento via edital, quais os desafios você teve que superar ao dirigir um filme nesse outro formato, sem financiamento como foi o caso de “CorpoStyleDanceMachine” e “Ilhas de Calor”?

UA: Fazer um filme sem grana me sensibilizou sobre outras maneiras de pensar o nosso modo de produzir. Ele foi feito de modo artesanal e todos que estavam lá, acreditavam no roteiro que a gente tava filmando, então éramos tomados por um espírito muito aventureiro, foi guerrilha mesmo. Tem uma visceralidade que a falta de dinheiro traz, e de algum modo esse visceral fica nas imagens, é um papo meio abstrato, mas acho que a forma final do filme reflete um pouco a aspereza do processo e isso pra mim é poderoso. É importantíssimo filmar com grana, devemos pensar a maneira como nos sustentamos e nos cuidamos fazendo filmes, mas filmar o Ilhas era importante pra gente não perder time do momento, nem o time da história que a gente queria contar, muito menos perder o time do nosso movimento.

KL e LL: “As melhores noites de Veroni” marcou o retorno de um filme alagoano para o Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, como foi essa experiência de estrear o filme na 50ª edição do Festival representando Alagoas?

UA: Então, foi o meu primeiro festival e pra mim era tudo novidade. Tava meio tímido e ainda muito inseguro em exibir um filme que eu fiz. Ainda mais com críticos e muitos realizadores que eu gostava assistindo. Mas foi tudo muito especial, a sessão, a repercussão. O fato de um filme alagoano retornar depois de 32 anos no festival de Brasília também fez com que a nossa presença no festival fosse um gesto importante e levantou a discussão de quantos brasis faltam serem representados num festival que se propõe a ser de abrangência nacional. Mas tem um fato que foi muito importante pra mim, debater o filme. Eu estava em pânico com medo de gaguejar e esquecer tudo, mas o debate pra mim foi maravilhoso, acho que essa é uma parte essencial de um festival de cinema, quando um realizador ou realizadora elabora sobre seu trabalho para o público que quer ouvir seu processo. Acredito que todo mundo cresce junto.

O diretor Ulisses Arthur (à direita) ao lado da protagonista Lais Lira, do produtor Arlindo Cardoso e da produtora executiva Thamires Vieira (Crédito: Junior Aragão)

KL e LL: “Ilhas de calor” é seu mais recente curta-metragem o que inspirou o seu roteiro?

UA: O roteiro é inspirado num poema que eu fiz na escola e esse poema abre e encerra o filme. A partir dele fui buscando cenas que aconteciam no cotidiano da escola que estudei e organizando-as para que o poema ganhasse uma dimensão significativa. Mas é um filme inspirado nas várias sensações que podem acontecer no íntimo de um/uma estudante pré-adolescente, o despertar da paixão, as intrigas, o medo, o egoísmo, o deboche e a frustração.

KL e LL : Como foi a experiência de gravar um filme na cidade onde você nasceu e foi criado? Conta sobre o processo de realização de “Ilhas de Calor”.

UA: Pra mim foi maravilhoso, gravar com a minha gente em cenários que me eram familiares. Gravamos em uma escola pública municipal e o nosso elenco é composto por estudantes e alunos dessa escola. Fizemos uma oficina de encenação e os alunos que foram permanecendo na oficina foram se encaixando no roteiro, foi muito orgânico esse caminho. O roteiro vinha sendo trabalhando há algum tempo, mas as cenas tinham muita flexibilidade pra que a gente fosse deixando próximas da realidade dos atores e atrizes. Escrevi o roteiro inspirado na minha vivência na escola há 12 anos atrás, então eles trouxeram um frescor do presente, as gírias do presente, e também nas escolas de hoje me parece que os alunos têm menos medo de mostrar quem são. Por mais que essa instituição seja famosa pela vigilância e padronização dos comportamentos, acho que os estudantes de agora têm menos medo de falar sobre o que sentem, o que gostam e sobre quem são.

Filmamos em seis diárias numa previsão do tempo muito loka, em meia hora o tempo podia sair de um mega sol até uma super tempestade, então a complexidade nas filmagens era usar a natureza a nosso favor. Aceitamos isso e acho que é uma das belezas do filme. Por ser em Viçosa foi uma grande mistura de galeras da minha vida também, amigos da faculdade, amigos de Maceió, pessoas da cidade e também a minha família. A equipe inteira ficou hospedada na casa da minha avó, então eram muitas intensidades juntas pra administrar. Mas acredito que é bom assim, quando envolve logo todo mundo e tudo se mistura.

KL: Tanto Ilhas de calor quanto Veroni foram rodados no estado de Alagoas. Voltar para o seu estado após a graduação e construir uma carreira como diretor aqui já estava nos seus planos iniciais ou isso mudou ao longo do caminho?

UA: Essa ideia foi sendo assimilada aos poucos. Compreender como fazer e sobreviver através do cinema em Alagoas ainda é complexo, mas é interessante como nosso movimento de realização e visibilidade pode abrir e apontar caminhos. Acho que a decisão de ficar vem também da força que as imagens dos filmes que fiz carregam quanto identidade alagoana, cenários, sotaques e questões. Acredito que permanecer tem uma força e uma importância em tempos que o Brasil busca conhecer o trabalho de outros estados com mais afinco para compreender sua pluralidade. É muito especial levar um filme feito em Alagoas pra São Paulo por exemplo, tem força e transcendência, apresenta novas possibilidades de imaginários sobre a vida no Nordeste. Tem força e transcendência pra mim continuar filmando aqui.

Cartaz de Ilhas de Calor criado por Fabio Rodrigues.

LL: Qual a expectativa sobre a estreia de Ilhas de Calor no 29º Festival Cine Ceará?

UA: Eu estou feliz que a estreia seja no Nordeste e em um Festival que ainda não exibi. Além de ser politicamente importante nesse momento, acho que o filme será exibido num lugar onde o que a gente tá falando faz muito sentido. O filme tem uma nordestinidade que pode dialogar super bem com o público.

KL e LL: Qual o sentimento em ver o projeto do seu primeiro longa “Não Estamos Sonhando” selecionado pelo Brlab? E qual a sua expectativa?

UA: Tô bem animado pra acessar esse espaço! Não é a primeira vez que tento entrar no Br.Lab, mas agora que consegui acho que veio no momento certo. O “Não Estamos Sonhando” amadureceu muito, as sequências estão mais potentes, e também consigo visualizar melhor o discurso do filme. Fiquei muito contente com a seleção e acredito que vai ser muito enriquecedor, acho que os laboratórios de cinema tem um potencial pra expandir a percepção sobre seu próprio projeto, e também é massa conhecer outros projetos pra poder dialogar com o seu. Fora que é um excelente espaço de visibilidade e onde podem rolar apoios, parcerias e investimentos. Um espaço que pode alçar o projeto a outros voos.

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Ulisses Arthur Formado em Cinema e Audiovisual pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), atua nas áreas de roteiro, direção, montagem e oficinas de formação em cinema. Vive em Maceió e faz parte da produtora Céu Vermelho Fogo Filmes, na qual realizou seus primeiros curtas-metragens: As melhores noites de Veroni (2017) e CorpoStyleDanceMachine (2017) – exibidos em diversos festivais pelo Brasil.

Sobre Larissa Lisboa
É coidealizadora e gestora do Alagoar, compõe a equipe do Fuxico de Cinema e do Festival Alagoanes. Contemplada no Prêmio Vera Arruda com o Webinário: Cultura e Cinema. Pesquisadora, artista visual, diretora e montadora de filmes, entre eles: Cia do Chapéu, Outro Mar e Meu Lugar. Tem experiência em produção de ações formativas, curadoria, mediação de exibições de filmes e em ministrar oficinas em audiovisual e curadoria. Atuou como analista em audiovisual do Sesc Alagoas (2012 à 2020). Atua como parecerista de editais de incentivo à cultura. Possui graduação em Jornalismo (UFAL) e especialização em Tecnologias Web para negócios (CESMAC).

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