Hipnotizante, “O Ornitólogo” une realismo fantástico e simbologia densa

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Texto: Leonardo Amaral para o Alagoar. Imagem: Divulgação.

O milenar desenvolvimento cultural nos permitiu a capacidade de significação e ressignificação daquilo que nos cerca. Interpretações de mundo que são criadas e perpetuadas até se fundamentarem como realidades, como bases para identidades. Entretanto, esquece-se que há mundos além dos que nos foram apresentados, e há ainda outro, físico, de outras espécies que não precisam de nós e podemos nos limitar a observar. Em “O Ornitólogo”, em cartaz no Arte Pajuçara integrando a Sessão Vitrine Petrobras, essas vertentes se mesclam para desconstruir as formações que o ser humano apresenta, tanto sobre si quanto na sua relação com o mundo.

“O Ornitólogo” é um filme dirigido e escrito por João Pedro Rodrigues sobre Fernando (Paul Hamy), um ornitólogo que, observando pássaros em algum lugar entre Portugal e Espanha, perde-se. Começa então uma jornada de autodescobrimento e aceitação em uma floresta que o prende e se molda com características fantásticas; desde as cristãs chinesas que objetivam o Caminho de Santiago de Compostela, os pássaros e espíritos que observam quem deveria observar, até os ritualistas noturnos e as amazonas contemporâneas.

Hipnotizante, o longa-metragem conquista os que se permitirem embarcar em seu realismo fantástico e simbologia densa. Há, em todos os momentos do filme, um claro domínio do ritmo e atmosfera, da mesma forma que o diretor demonstra completa ciência de sua simbologia – tais aspectos permitem tamanha imersão em um mundo deslumbrante, ainda que realista.

O ator Paul Hamy interpreta Fernando, um ornitólogo que vive jornada fantástica pelos domínios da natureza

É perceptível, inclusive, a linguagem documental despretensiosa comum a outros diretores portugueses, como é o caso de Miguel Gomes. Tal abordagem é diretamente responsável pela naturalidade com que tudo se discorre, independente do quão absurdo possa ser. O mesmo registro se percebe no trabalho dos atores. Paul Hamy confere a Fernando um estranho ar de perdido, ainda que apreensivo para chegar aonde não sabe como ir, e os mesmos elogios se estendem a Xelo Cagiao e suas expressividades para além de qualquer palavra.

O filme estabelece uma discussão sem respostas diretas no que diz respeito ao homem, indivíduo, em meio aos signos de aspectos que deveriam ser conflituosos, como sexualidade e religião, mas aqui se tornam harmônicos e complementares, já que João Pedro Rodrigues cuidou de naturalizar tudo que pudesse ser considerado polêmico ou absurdo com confiança e calma. Entre tantas formas de expressão ritualísticas é possível perceber a equiparação imagética entre se fantasiar e dançar ao redor de uma fogueira, uma reza entre estátuas esquecidas e um ato sexual à beira do rio.

“O Ornitólogo” é um filme de profundos significados e interpretações, mas pode se tornar uma experiência para poucos, já que seu ritmo monótono tende a afastar muitos espectadores. É na natureza, onde já não nos vemos mais, que o ambiente adverso se mescla às construções culturais humanas, sejam elas físicas ou do próprio ser, e confere uma transmutação tal como a dos pássaros que trocam suas penas, mas que continuarão a voar e a viver após a despedida dos antigos Eus.

Filme: O Ornitólogo
Onde e quando: No Arte Pajuçara (Domingo e Terça – 31/03, 02 e 04/04), a partir das 15h.
Ingresso: R$ 12 (inteira) e R$ 6 (meia-entrada)

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