Texto: Janderson Felipe. Imagem e revisão: Larissa Lisboa.
Pensar a performance da mulher negra no cinema e teatro brasileiro com a cena local, foi a proposta do terceiro e último dia (28) da Mostra Performance Negra no Cinema Brasileiro, o pontapé é dado pela lucidez da pensadora Lélia Gonzalez, “…nós temos figuras como Zezé Motta, uma Leia Garcia, uma Ruth de Souza, Chica Xavier, Zenaide (Silva), mulheres de uma força de interpretação extraordinária, mas o que a gente percebe é o seguinte, que o espaço delas já está predeterminado, sempre com papéis secundários, um não respeito a sua potencialidade de interpretação…”, em entrevista pertencente ao documentário As Divas Negras do Cinema Brasileiro.
É a ponte necessária para o que se é visto no filme da noite, Xica da Silva, filme de 1976 dirigido por Cacá Diegues, diferente do filme exibido na noite anterior, Compasso de Espera, que era feito sobre uma autoconsciência racial palpável a quem assiste, o filme de Diegues é cercado pelo pensamento de Gilberto Freyre em Casa-Grande & Senzala, que é colocado em crise ao representar uma personagem que quer tanto subverter as logicas daquela cidade.
Daí é possível perceber a tela se tornando um espaço de disputa, entra a narrativa de perspectiva voltada por um olhar colonialista e Zezé Motta, ao ser uma Xica ambiciosa, que revira e manipula o Arraial do Tijuco. Ao fim da sessão Ulisses Arthur leu uma resposta da atriz sobre o tratamento recebido por Cacá Diegues, onde revela uma série de abusos na época das filmagens.
A partir desse momento a fala de Lélia Gonzalez se faz ainda mais presente, onde não há como não pensar que a Xica do filme e toda a sua representação é um espelho do tratamento que Zezé Motta recebeu, porque por mais que fosse protagonista, a personagem estava a serviço de um olhar machista e racista que tantas outras atrizes negras receberam e recebem na cinematografia brasileira.
E que ao mesmo tempo não condiz com a personagem representada, pois o filme coloca em uma fala rápida que Xica auxiliava na fuga de escravos, mas faz questão de colocá-la em conflito com outra mulher escravizada para o agrado do explorador de diamantes, João Fernandes (Walmor Chagas), onde o filme também coloca que a personagem tem que se diferenciar dos seus iguais para poder transitar em meio a branquitude colonialista, mas que ao fim terá que retornar à condição de um “não ser”. Fica o questionamento qual Xica da Silva veríamos se tivesse sido feita sobre um outro olhar, por uma diretora negra mostrando toda a subversão da personagem e que desse toda vazão a potencialidade de interpretação de sua protagonista?
No debate após a sessão as atrizes negras Wanderlandia Melo e Paula Quintino foram chamadas para dialogar sobre o lugar da mulher negra no cinema e teatro alagoano, mais um dos momentos únicos proposto pela mostra trazida por Fabio Rodrigues, que deixa uma provocação para todos alagoanos em criar espaços como o da Mostra Performance Negra no Cinema Brasileiro, onde se possa refletir sobre a arte negra.
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