Raízes do Saber

Texto: Bruna Teixeira
O Instituto Terraviva (ITViva) é uma ONG alagoana, sediada em Maceió e, há 20 anos atua na promoção da agricultura familiar agroecológica e no desenvolvimento sustentável de comunidades rurais em nosso Estado. Ao longo dessa trajetória, o ITViva vem firmando-se, cada vez mais, como uma organização representativa do pensamento alternativo e crítico, ao modelo de agricultura dominante do Semiárido Brasileiro, que trouxe graves sequelas socioculturais, econômicas e ambientais para o campo. Com o Projeto Raízes do Saber – Valorização da Pessoa Idosa do Campo, o Terraviva lança uma outra forma de se pensar a condição humana de felicidade dentro da agricultura familiar em Alagoas: “a gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte!”
De agosto de 2017 a agosto de 2018, Raízes do Saber promoveu o fortalecimento do convívio comunitário de agricultores e agricultoras aposentados(as), todos moradores das zonas rurais de nove municípios do Sertão e do Agreste de Alagoas, contribuindo para um envelhecimento ativo da população idosa. Ações que garantiram o acesso à arte e à cultura, estimularam a movimentação física, provocaram a visibilidade e o reconhecimento de mestres e mestras dos saberes tradicionais. Arapiraca, São Sebastião, Olho d’Água Grande, Coité do Nóia, Jamarataia, Major Izidoro, Igaci, Palmeira dos Índios e Minador do Negrão vivenciaram conosco essa grande realização que possibilitou o lançamento da Coleção Raízes do Saber, composta por quatro volumes, em formatos de publicação e de obras cinematográficas. A Coleção revela a maestria da pessoa idosa do campo de Alagoas sobre as linguagens da Produção Artesanal, da Gastronomia Popular, do Parto Humanizado e da Farmacopeia Tradicional.
VOLUME 1 – PARTEIRAS
Filme | E-book
Em “Parteiras”, o primeiro volume da Coleção, entrevistamos 31 mestras do ofício do partejar no interior de Alagoas, as quais dedicaram a vida à promoção da saúde da gestante rural. São mulheres que enxergam o nascimento como um evento natural, familiar e que exige afeto; portanto, praticavam o parto humanizado domiciliar sob a condição do cuidado. Idosas que sempre existiram e estiveram lá, em lugares remotos, dispostas e a postos da próxima chamada, protagonistas na manutenção das comunidades onde vivem e detentoras de um exímio conhecimento cognitivo que as torna especialistas das técnicas do “pegar menino”. Acima de tudo, idosas que sustentam os saberes de sociedades antepassadas como um verdadeiro legado à posteridade e que sempre priorizaram procedimentos do amor e do acolhimento, em um dos momentos mais marcantes para vida daquelas que decidiram ser mães. O parto era uma coisa de mulheres entre mulheres. Seria útil e gratificante, um dia, ver essas mestras frente às turmas de universidades, ministrando aulas para a medicina obstétrica e reeducando a sociedade contemporânea no ato do partejar, sem violência, pelo viés da retomada do nosso posto ancestral de parteiras, que nunca deveria ter sido usurpado.
VOLUME 2 – TERAPEUTAS TRADICIONAIS
“Terapeutas Tradicionais” é o segundo volume da Coleção, no qual conseguimos reunir a maestria de 165 idosos e idosas da zona rural de Alagoas sobre o tratamento e a cura de enfermidades pelo tripé: fé – plantas – rezas. Farmacêutico é uma profissão milenar. Alguns idosos (as) entrevistados (as) são peritos (as) no desenvolvimento, produção, manipulação, seleção e dispensação de medicamentos, a partir de princípios ativos presentes na natureza ou no quintal de casa. Outros (as) prestam assistência, minimizando o sofrimento das pessoas, por meio de práticas curativas, baseadas na espiritualidade, pela via do sobrenatural e ritualístico, utilizando ramos e orações distintas para cada enfermidade. Independentemente da prática, ambos, acreditam que a cura é o resultado de um processo não somente fisiológico, mas também simbólico. Apesar dos avanços na área da ciência médica, as terapias tradicionais alagoanas são permanentes e eficazes na contemporaneidade, administradas e conduzidas por pessoas idosas de referência em suas comunidades rurais. Nos tempos modernos, os fármacos em sua maioria, são de origem sintética. Apesar dessa realidade, é inegável a importância da cura nos moldes do tripé ‘fé, plantas, rezas’; é notório e salutar para esses(as) idosos(as) e para as comunidades beneficiadas pelos modelo de medicina alternativa, que há de se manter viva a forma primordial de tratamento e cura da humanidade, baseada na integração com a natureza, na fé e na manutenção dos
seus saberes ancestrais.
VOLUME 3 – GATRONOMIA POPULAR
Gastronomia com sabor de afeto. É essa a sensação que propomos neste terceiro volume da Coleção Raízes do Saber, dedicado aos mestres-cucas do Sertão e do Agreste alagoanos. As receitas são das mais variadas, o cardápio revela tradições com gosto de comida-de-vó e o paladar, esse sim, é o mais provocado pelas combinações culinárias dos 65 idosos(as) entrevistados(as) em “Chefes da Gastronomia Popular”. Alimentos e bebidas podem constituir o patrimônio cultural de um povo, sobretudo aqueles que não se limitam ao saciar da fome, mas sim, nos remetem a um tempo/espaço, a um lugar de cores, emoções e memórias. Essas elaborações gastronômicas compreendem as cozinhas típicas e identificam uma localidade dentro de um processo histórico-cultural: o acarajé para Salvador, o tacacá para Belém, o sururu para Maceió. Diante a mundialização dos mercados por uma alimentação cada vez mais rápida, as receitas, iguarias e as formas de preparo da culinária tradicional tornam-se uma identidade de um território e de um modo de vida, cujas as nossas revelam ancestralidades indígenas, africanas e portuguesas. Envolvem diferentes motivações e significados para serem servidas, por cada pessoa ou grupo. Alguns pratos são associados a celebrações, por exemplo, sejam festas religiosas ou cívicas; e outros simplesmente existem e tornam-se famosos, despertando a curiosidade de muita gente, que passa a visitar o local apenas para experimentá-los. Dentre o conjunto das manifestações gastronômicas de Alagoas, a zona rural sertaneja incorpora ingredientes vegetais e animais inesquecíveis ao paladar, ligando hábito alimentar e cultura.
VOLUME 4 – MESTRES E MESTRAS DA PRODUÇÃO ARTESANAL
Objetos fabricados com matéria-prima vegetal, mineral ou animal, apropriados pela cultura alagoana na construção de sentidos de identidade rural. Em “Mestres e Mestras da Produção Artesanal”, último volume da Coleção, trouxemos a engenharia handmade de 126 idosos(as) que criam bens móveis e imóveis, a partir de elementos da natureza, e que os transformam em verdadeiras referências culturais do Agreste e Sertão de Alagoas. Muitos objetos são de uso cotidiano e estão dentro de casa, nas ruas, feiras, na escola, ou servem como acessórios de vestimenta, indumentárias. Outros são equipamentos de moradia, como as casas de taipa; e profissionais como os barcos, carros de boi e as carroças. Ambos estão fortemente associados aos grupos que os utilizam ou a uma época na qual foram mais importantes, do que hoje. E por isso, terminam por ganhar um valor especial. Esses artefatos possuem a capacidade de serem evocadores de memória e narradores de histórias. Desempenham papéis importantes na construção da identidade de um povo, personalidade de um sujeito e com os vínculos geracionais de um território.
O Instituto Terraviva tem a satisfação de oferecer ao Estado de Alagoas mais uma ferramenta de registro, proteção e transmissão do conhecimento tradicional sustentado por sábios e sábias especialistas do Agreste e Sertão Alagoanos. A Coleção Raízes do Saber busca ampliar a percepção de crianças, jovens e adultos sobre o relevante papel que os(as) idosos(as) desempenham na construção dos sentidos de identidades locais, e para a manutenção de uma sociedade mais justa e sustentável.

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