Um mergulho na produção audiovisual de Pedro da Rocha

Perguntas: Larissa Lisboa e Simone Cavalcante. Respostas: Pedro da Rocha. Revisão: Larissa Lisboa e Simone Cavalcante. Ilustração: Weber Salles Bagetti. Imagem: Vera Rocha Oliveira.

Em 2019, Pedro da Rocha retornou ao palco do cinema do Centro Cultural Arte Pajuçara como ex-presidente da Associação Brasileira de Documentaristas e Curta-metragistas de Alagoas (ABD&C-AL), um dos idealizadores e produtores da primeira edição da Mostra Sururu de Cinema Alagoano (2009).

Pedro atua com produção audiovisual desde a década de 1980, entre filmes e trabalhos publicitários. Lançou em 2021 os curtas Cirandinha – Grande Baú, a infância e A Prima, e  desenvolve o telefilme O Impeachment – Setembro 1957, Sexta-feira 13, contemplado pelo IV Prêmio de Incentivo à Produção Audiovisual em Alagoas.

Larissa Lisboa: Como conheceu o Cinufal, cineclube que realizava exibições na antiga reitoria na década de 80?

PR: O Cinufal entrou na minha vida junto com minha tímida militância como estudante secundarista e junto com Orson Welles e o Cidadão Kane. O DCE-UFAL e a Comissão Pró-UESA (União dos Estudantes Secundaristas de Alagoas) também desenvolviam atividades culturais paralelas, incentivando o cineclubismo, o teatro e eventos musicais como os festivais universitários de música e shows com artistas e grupos musicais engajados na luta contra o governo militar, pela anistia e pelas causas populares. Um desses grupos era o “Grupo Terra”, que ainda na década de 1980 ganhou visibilidade nacional, gravando discos e fazendo turnês pelo Sudeste. Todas essas atividades eram sistematicamente monitoradas pelos órgãos de vigilância e repressão atuantes na época. A atividade cineclubista entrava na mira do aparelho repressivo do Estado (Dops, SNI, Polícia Federal) porque os filmes programados e exibidos, e as discussões consequentes, priorizavam os discursos questionadores e libertários, além das linguagens estéticas.

Larissa Lisboa: Qual foi o seu primeiro contato com a produção audiovisual alagoana como espectador? E como trabalhador do audiovisual? 

PR: O primeiro filme alagoano (Super-8) que assisti foi A Busca, do Carlos Brandão, no primeiro ano da década de 1980, quase dez anos depois de realizado. Depois vieram outros e outros. Ainda na década, em 1987 eu iniciei minha atividade profissional, trabalhando numa pequena agência de publicidade chamada SPP, onde eu exercia as funções de redator e RTV, que me levaram a conhecer o aparato de produção para televisão.

LL: Qual a sua impressão ao ver filmes alagoanos reunidos na I Mostra Alagoana de Vídeos em 1998? 

PR: Eu não pude ir ver as exibições em nenhum dos dias da Mostra. Na época, trabalhava na produção de publicidade para televisão, na VTK Produções, e os prazos entre a solicitação e a entrega das peças para veiculação nas emissoras era muito curto, para ontem. Então era normal a gente prescindir de certos prazeres pessoais por conta do ritmo imposto pela demanda de trabalhos na produtora, o que muitas vezes nos obrigava a ficar no estúdio, nas externas ou nas ilhas de edição até bem tarde da noite. Inclusive porque o processo ainda não era totalmente digital. Era híbrido. A gente filmava em Sony Beta, analógico, digitalizava em tempo real e só então podíamos editar no computador. Então, mesmo concorrendo na mostra com o documentário Em Nome do Pai, do Filho e da Folia eu priorizava o trabalho porque era ali que eu estava consolidando de fato e direito minha condição de profissional do audiovisual. Após a mostra consegui ver alguns filmes e a melhor de todas as impressões foi ter a certeza de que o apagão que se instalou com o fim do Super 8 estava com os dias, ou anos, contados.

Larissa Lisboa e Simone Cavalcante: Você colaborou com o professor e pesquisador de cultura popular Ranilson França no registro de mestres e mestras do patrimônio cultural alagoano. O que significou essa experiência na sua carreira? Quais filmes surgiram a partir desse diálogo?

PR: Em Nome do Pai do Filho e da Folia foi o primeiro projeto acabado consequente dessa parceria, que também gerou os curtas sobre o carnavalesco Pedro Tarzan e o violeiro-repentista e poeta de cordel Raul Vicente de Queiroz além, é claro, de O santo Guerreiro do Povo, que foi tipo uma homenagem póstuma ao Ranilson. Esse filme era um projeto que eu pretendia realizar com o Ranilson ainda entre nós e fazendo as coisas que lhe davam prazer. A experiência de trabalhar com o Ranilson foi enriquecedora em todos os sentidos e pautou uma das vertentes do meu trabalho que foi, ou é, a de registrar certas referências das culturas populares alagoanas. Importante falar que foi essa parceria que me levou a conhecer a maioria das cidades de Alagoas, fosse para filmar as festas de cultura municipais ou simplesmente para visitar e gravar com algum personagem nesses lugares. Então, além dos filmes citados acima, essas aventuras renderam dezenas de horas de material audiovisual, registrados em fitas mini k7 e imagens captadas no formato VHS. Então, Ranilson me influenciou muito mais do que qualquer uma das conhecidas referências históricas do cinema alagoano.

SC: No elenco de filmes como “A Risonha Morte de Tião das Vacas” (2005), “Desalmada e Atrevida” (2007), “Sol Encarnado” (2013) você tem valorizado a presença de atores e atrizes locais. Você acha que a dramaturgia alagoana já atingiu o grau de profissionalismo esperado para a tela de cinema?

PR: Não sei o que minhas escolhas possam representar para o cinema alagoano atual. No meu caso, considero os atores dos meus filmes coautores desses filmes, começando pela Márcia Mariah Morello desde Em Nome do Pai, do Filho e da Folia, de 1997. Depois vieram Naeliton Santos, Mauro Braga, Aline Marta, Julien Costa, Silvio Leal, Marcos de Jesus, Ivana Iza e vários outros não mencionados. Agrada-me ver atrizes e atores alagoanos em filmes do Nuno Balducci, do Henrique Oliveira, do Nilton Resende, do Rafhael Barbosa, do Wagno Godez ou do Ulisses Arthur, entre outros.

Como publicitário testemunhei desde cedo o tratamento dado pelos criativos das agências aos atores locais, a quem eram destinadas apenas as menores verbas. Márcia Mariah (que assinou contrato como garota-propaganda de uma rede de farmácias), Ivana Iza e Marcial Lima foram exceções nesse cenário. Anos depois tive o prazer de ver peças que dirigi protagonizadas por atores alagoanos (Julien Costa, Delaine Mateoni e Paulo Sarmento), serem contempladas com grandes prêmios em festivais locais e regionais.

LL: Como surgiu o desejo de adaptar a HQ Xoxo e a Radiola, de Gino (Genildo Tavares) para o cinema?

PR: Eu trabalhava fazendo dupla de criação com o Gino numa agência de propaganda em fins da década de 1980, e foi nessa época que ele me apresentou a HQ. Nesse mesmo momento eu pensei na possibilidade de filmar a historinha, mas era completamente inviável. Eu nem saberia por onde começar. Quase duas décadas depois de seguirmos outros rumos profissionais, eu tive um encontro casual com ele e então perguntei sobre os quadrinhos e sobre a possibilidade de ele liberar o material para eu adaptar para cinema. Na época eu trabalhava como gerente de produção na produtora Kromos Filmes e então aconteceu, porque eu tinha todo o suporte necessário, inclusive estúdios. Importante também é ressaltar a parceria com o elenco, que foi essencial para a realização de Desalmada e Atrevida.

LL: Como conheceu a Associação Brasileira de Documentaristas de Alagoas? E como foi atuar como presidente desta associação?

PR: Eu trabalhava na VTK Produções quando Gerson Oliveira (diretor de fotografia), que também já havia trabalhado com o Hermano Figueiredo, me contou sobre a fundação da associação e de sua participação no grupo. Entre esse momento e o convite de Hermano para eu participar dos quadros da entidade passou-se um bom tempo, alguns anos. Então, algum tempo após esse acontecimento, surgiu a necessidade do Hermano se ausentar daqui de Alagoas e acabei virando presidente. Acho que os ganhos da minha atuação podem ser mensurados pelos três acontecimentos, que considero relevantes para a cena audiovisual alagoana daquele momento, que se projetam até hoje, que foram a criação da Mostra Sururu de Cinema Alagoano, o lançamento do primeiro edital da Secretaria de Estado da Cultura e a publicação da segunda edição revisada e ampliada do livro Panorama do Cinema Alagoano. Dos três, o único ponto polêmico foi o edital por causa do valor irrisório disponibilizado, muito aquém dos incentivos de editais de outros estados. O problema é que essas discussões sobre valores, travadas entre Hermano e os gestores da secretaria, atrasaram em alguns anos o lançamento de um edital. Eu decidi capitular diante dos argumentos deles e aceitar o proposto porque eu e outros já fazíamos filmes sem nenhum recurso. Fiz uma opção entre não ter nenhum ou ter algum recurso, mesmo correndo o risco de questionamentos posteriores, que de fato aconteceram.

LL: Qual o impacto que “Panorama do Cinema Alagoano” (1983) teve no começo do seu diálogo com a produção audiovisual alagoana? Como se deu o diálogo entre ABD&C-AL, UFAL e Cesmac para a viabilização da segunda edição revista e ampliada de “Panorama do Cinema Alagoano” em 2010? 

Na verdade, meu primeiro contato com o Super 8 alagoano, que era o ‘cinema’ alagoano possível, aconteceu três ou quatro anos antes do lançamento do livro, com A Busca, como já mencionei, e com as mostras ocasionais promovidas por diretórios acadêmicos ou pelo DCE-UFAL. Então quando aconteceu o lançamento do Panorama (em 1983), eu já me sentia conhecedor do cinema alagoano feito em Super 8 e já sentia um certo desejo, um sonho, de fazer filmes como aqueles do José Márcio Passos (Casamento de uma Maria) ou do José Maria Tenório Rocha (São Gonçalo D’Água Branca). Então o impacto maior provocado pelo livro foi ver, pela primeira vez, a reprodução da cena do matador erigido à condição de santo e carregado pelo povo em um andor, no segmento do livro sobre o José Wanderley Lopes, a Caeté Filmes e A Volta pela Estrada da Violência. Eu não sabia da existência de um longa-metragem produzido por uma empresa alagoana. Então o livro ampliou meus conhecimentos sobre a atividade cinematográfica no nosso Estado. E foi muito importante para mim participar das articulações para uma reedição desse livro, que começaram a partir de conversas com Elinaldo Barros e, posteriormente, com Simone Cavalcante e Cícero Péricles de Carvalho, também amigos de Elinaldo e comprometidos com a História e a Cultura. Eles foram fundamentais nessa costura institucional fazendo a ponte entre a ABD&C/AL, a EDUFAL, e o Cesmac, através do Douglas Apratto Tenório. Então, a viabilidade da reedição do livro foi consequência de uma soma de articulações que também envolveu sua participação (Larissa), e a de Werner Salles.

SC: Seus filmes “O Catador de Fotogramas” e “O Santo Guerreiro do Povo” documentam o trabalho de Elinaldo Barros e Ranilson França, duas pessoas influenciadoras na sua trajetória. De que maneira essa ligação afetiva pesa na construção do roteiro do documentário?

PR: Ranilson França e Elinaldo Barros foram entronizados na minha vida por José Maria Tenório Rocha, que chefiava a Diretoria de Pesquisa, Documentação e Estatística da Secretaria de Cultura do Estado, onde fui trabalhar em 1986. Primeiro foram colegas de repartição, depois amigos e influências. É claro que a relação afetiva acaba prevalecendo e interferindo no que a gente fala ou escreve ou filma sobre eles. O título O Santo Guerreiro do Povo, filme sobre Ranilson, foi dado pelo Elinaldo no dia em que fui gravar com ele o depoimento sobre nosso amigo. Já O Catador de Fotogramas foi montado exclusivamente para aquele evento de lançamento da reedição do livro Panorama do Cinema Alagoano, sem nenhuma pretensão. E enquanto eu considero O Santo Guerreiro do Povo uma peça acabada, gostaria muito de remontar O Catador de Fotogramas. De qualquer modo, esses filmes são o que são: assumidas homenagens a dois caríssimos amigos que influenciaram minha vida profissional.

LL e SC: Os filmes “Trama da Memória, Urdidura do Tempo” (2011) e “Memórias de uma Saga Caeté” (2012) receberam financiamento a partir de editais. De que maneira esses incentivos contribuíram para a realização das produções? 

PR: Trama da Memória, Urdidura do Tempo é uma produção econômica nos depoimentos e na pesquisa que bem refletem o valor do desembolso. Para vocês terem uma ideia, Sol Encarnado, por exemplo, que foi um projeto que ficou como primeiro suplente (ou seja, fora) do primeiro edital da Secult, foi feito com duas vezes mais recursos do que o Trama…. Então, nesse caso particular, a premiação bancou apenas nossa viagem pelo circuito de ruínas do que foram as plantas industriais têxteis de Alagoas, de Maceió até Delmiro Gouveia. O ganho maior de fato, proporcionado pelo projeto, foi entrevistar uma nossa referência afetiva chamada Tairone Feitosa em seu lugar de origem. E mais que os citados na pergunta, O Comendador do Povo é meu filme com melhor financiamento extra edital, porque foi patrocinado pela Federação das Indústrias do Estado de Alagoas (FIEA ).

Minibio.

Nasceu em Junqueiro, Alagoas (em 1957).
Roteirista, produtor, diretor e montador.
Atuou como pesquisador na Secretaria de Estado da Cultura entre 1986 e 1991 e como redator publicitário entre 1987 e 1997. Foi presidente e vice-presidente da ABD&C/AL.
Dirigiu mais de vinte produções audiovisuais entre documentários e ficções.
Organizador da Mostra Junqueiro de Cinema, no agreste alagoano.

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