Texto: Rafhael Barbosa*. Revisão: Aline Silva. Imagens: Cobertura da 50º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro *O repórter viajou a convite do festival
Cá chegamos a esse estranho quinto dia de competição no 50º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. Uma noite que começou até esperançosa com a exibição do curta-metragem paranaense “Tentei”, de Laís Melo. Idealizado por um coletivo formado majoritariamente por profissionais mulheres, o filme retrata uma situação que é, infelizmente, corriqueira no cotidiano delas: a violência sofrida pelas mãos dos próprios maridos.
Acompanhamos Glória, a protagonista de 34 anos, reunindo forças para prestar queixa contra o cônjuge. Ainda que tente ser educado, o escrivão que colhe o depoimento da mulher lança mão de procedimentos que agravam ainda mais a fragilidade da vítima. Uma maratona de constrangimento e exposição que, de certo modo, dá continuidade à violência sofrida no ambiente doméstico.
Construído do ponto de vista feminino, o registro é seco, direto e delicado. A história já começa após o abuso, evitando a tão combatida (especialmente nesta 50º edição do festival) glamourização da violência. A performance de Patrícia Saravy é o ponto alto do filme, encontrando o tom certo para representar a angústia da personagem, seja por meio do silêncio ou pela inevitável explosão. Não será surpresa se Saravy voltar para casa com um troféu Candango na bagagem.
Tem sido tendência nos últimos anos uma inclinação das curadorias para abrir espaço ao cinema realizado por mulheres, e esta edição do Festival de Brasília parece disposta a abraçar com ainda mais energia a intenção de corrigir uma distorção tão evidente quanto histórica.
O NÓ DO DIABO
Já a competitiva de longas apresentou seu momento mais desconfortável até aqui com a exibição da produção paraibana “O Nó do Diabo”, de Ramon Porto Mota, Gabriel Martins, Ian Abé e Jhésus Tribuzi. Concebido como uma série para a televisão, o projeto é dividido em cinco narrativas, cada uma ambientada em uma época distinta. Todas elas são inseridas no contexto da escravidão e seus resquícios. O veterano Fernando Teixeira interpreta variações de um mesmo personagem: um senhor de engenho que conecta todas as histórias, do século 17 ao tempo atual.
A intenção é realizar um exercício de gênero, experimentando a linguagem do terror, para fazer uma crítica contundente à histórica opressão ao negro que ainda encontra fortes ecos nos dias de hoje.
Não que o excesso de violência seja um problema em si, especialmente num filme de terror, mas no caso de “O Nó do Diabo” a premissa se mostra assustadoramente equivocada. Um banho de sangue gratuito amparado pelos mais rasos clichês do gênero. Um roteiro amador que coloca ótimos atores como Zezé Mota e Fernando Teixeira em situações constrangedoras. Não há um personagem sequer que traga nuances para além do maniqueísmo.
O cinema de gênero tem ganhado cada vez mais fôlego no Brasil com o surgimento de diversos representantes nacionais nos últimos anos. Uma característica em comum entre a maioria deles tem sido a busca por encontrar caminhos autênticos ressignificando os códigos da gramática hegemônica norte-americana. Apenas o fato de situar seu espetáculo de carnificina num cenário histórico brasileiro não faz de “O Nó do Diabo” um olhar menos colonizado.
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