Crítica: A Noite Estava Fria (dir. Leonardo Amaral)

Texto: Fabbio Cassiano. Revisão: Janderson Felipe.

A solidão em “A Noite Estava Fria”

Durante a noite de abertura da VIII Mostra Sururu de Cinema Alagoano foram exibidos sete filmes na mostra competitiva: Tupi or not Tupi; Furna dos Negros; Eneias, o picapau; Uma interrogação para o mundo; Ressonância; Cadê minha casa que estava sempre aqui? e A noite estava fria. Diante da variedade de linguagens das obras cinematográficas, entre documentário, animação, ficção e experimentais, destaco aqui A noite estava fria, um filme que não tem sua força e inovação apenas na relação amorosa entre dois homens, mas que expõe questões universais das relações humanas.

A cena de abertura de “A noite estava fria”, curta metragem ficcional de Leonardo Amaral, já traz consigo a característica simbólica do que vem a ser o filme: a frieza concreta dos edifícios, que concentram uma grande quantidade de pessoas, mas que pouco desenvolvem contatos entre si; são locais de isolamento, de distanciamento.  Além da calmaria em meio à madrugada, a oposição de energias entre os personagens Bruno (João Vitor Marques) e Caio (Madson Melo) se exprimem logo no primeiro momento.

Uma luz azul e fria adentra a janela e ilumina o corpo de Caio, enquanto Bruno tem em seu corpo o tom de iluminação mais quente, de cor terrosa. Ambos dividem o mesmo espaço – a cama – mas transmitem descompasso. Bruno e Caio são condicionados a manter uma relação à distância, que parece não se resolver com a presença passageira de Caio no apartamento de Bruno. A oposição entre o desejo e a ausência, voluptuosidade e impassibilidade, som e silêncio, permeiam o filme, apresentando um o casal contrastante no processo de afetuosidade. Os personagens são corpos em descompasso em meio a uma dança a dois.

A opção por manter Bruno em grande parte da narrativa, utilizando-se de quase nenhuma vestimenta, traz à tona a característica emotiva do personagem que se mostra desnudado e completamente aberto, desarmado na relação; enquanto Caio está sempre envolto de algo, uma barreira que se expressa não somente no corpo encoberto por lençóis, mas nas vestimentas de cores opostas a de Bruno e nos diálogos frios e distantes. Enquanto um quer viver o momento, o outro está preocupado com a partida, com a roupa, com a hora. A extrema polarização entre os personagens talvez crie um incômodo, e realmente eles não conseguem se conectar, mantendo uma afetividade fria.

A exploração do espaço, dos enquadramentos, da simbologia das cores, da arte cenográfica demonstra a meticulosa preocupação da direção com a mise-en-scène.

O isolamento é expresso no silêncio. A obra tem momentos de observação do cotidiano através da captura dos detalhes da solidão, quando só temos a TV como companheira, ou quando postergamos mexer nos detalhes deixados por aqueles que amamos. O olhar atravessa a cidade pela janela de um apartamento em busca de companhia e afeição sem jamais encontrar.

O som baixo do curta-metragem comprometeu o entendimento de algumas falas das personagens, no entanto, o diretor Leonardo Amaral ganha destaque quando apresenta na tela da VIII Mostra Sururu de Cinema Alagoano o descompasso, o desajuste, a solidão e as complexidades nas relações afetivas de uma sociedade contemporânea.

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