Crítica: Teresa (dir. Nivaldo Vasconcelos)

Texto: Felipe Duarte. Revisão: Chico Torres.

A violenta transcendência

A atuação é o grande chamariz do cinema popular. Mais do que montagem, cor e som, é o indivíduo presente na tela que capta atenção do público, atraindo a empatia (ou antipatia) e criando a ponte para estabelecer a arte como fundamentalmente humana. A glamourização da performance pode fazer perceber a profissão como nada mais que um apanhado de artifícios, de forma que atuar seria um fazer plenamente superficial. Mas, e quanto ao ator? O que acontece a ele quando manipula a própria identidade?

É esse questionamento que provoca Teresa, filme-poema que acompanha o processo de uma performer para encarnar Santa Teresa de Ávila em uma produção cinematográfica. Logo no início, se estabelece a polarização de identidades através do instrumento principal da protagonista: seu corpo. Se o corpo da Santa seria pecado, incólume, resguardado e renegado, o da mulher que precisa incorpora-la é exposto, político, força e ferramenta. O profundo conflito ético causa um processo não de transição, mas de rompimento, conforme a atriz adentra na mente da personagem e se distância de si própria.

É interessante notar que a transformação nunca é retratada como possível em sua completude. Se Teresa de Ávila colocava Deus no centro de sua vida através da crença no puro e no superior, a performer o faz estabelecendo com Ele uma relação quase carnal, renegando ao corpo e ao mundo não pela plenitude da abstinência, mas por que só o superior pode satisfazer seus desejos. Aparecem então os sintomas da dor e do isolamento, afinal, para essa mulher, transcender é um ato de violência contra si própria.

O diretor Nivaldo Vasconcelos catalisa a experiência da performer com a melhor fotografia da Mostra. Em preto e branco, não só observa, mas contempla a mulher que tenta ser outra, e se espanta e admira com tons vermelhos enquanto ela afunda dentro da própria mente, quando a brutalidade de seu processo mostra resultados. A presença de pouquíssimos elementos em cena abre espaço para o trabalho da performer, centro indisputável da película, que com sua energia cumpre o trabalho de atuação citado no primeiro parágrafo, segurando a audiência estática.

Com simbolismos utilizados com força e propriedade e um texto poético que narra a percepção da performer por quase toda a duração dos 19 minutos do filme, Teresa se destaca pela sua estética, que é extensão de seu conteúdo, sem grandes complicações e com um pensamento sólido sobre o corpo e a identidade. É um trabalho que não tem paralelos em seu campo dentro da Sururu e que ostenta, com toda razão, ser cinema alagoano em uma de suas formas mais sofisticadas.

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