“Martírio” faz análise densa da questão indígena no Brasil  

Texto: Leonardo Amaral para o Alagoar. Imagens: Divulgação.

Em cartaz no Arte Pajuçara, “Martírio” é um documentário do diretor e indigenista Vincent Carelli em conjunto com Ernesto de Carvalho e Tita. Um filme de pesquisa densa e claramente extensiva sobre a questão indígena no Brasil. O tamanho esforço dos pesquisadores e cineastas se torna evidente em suas duas horas e quarenta minutos que, apesar da duração, não se fazem excessivas ou redundantes, mas sim ricas e diretas. Um feito impressionante considerando a quantidade de material utilizado. Uma prova da qualidade da montagem/edição.

O que ocorre no longa é uma profunda análise de diversos aspectos sobre os temas que aborda, tanto em questões como conflitos físicos entre índios e fazendeiros até o apagamento das identidades indígenas a partir de uma perspectiva etnocêntrica. O desenvolvimento se faz pelos posicionamentos em primeira pessoa do próprio Vincent, assim como  por entrevistas com fazendeiros e indígenas, sessões políticas em Brasília, filmagens do Brasil no decorrer do século XX, explicações de dados e eventos históricos, reportagens e material do projeto Vídeo nas Aldeias (em que os próprios índios fizeram as filmagens). Não é à toa que o filme já se consolidou para muitos como um dos filmes definitivos sobre a temática indígena no Brasil.

A colonização em todo o continente americano faz-se, entre outras coisas, com narrativas, tal como qualquer domínio imperialista que busque hegemonia. Entre elas, como evidencia o documentário, a história maniqueísta da figura do vaqueiro (“cowboy”), aquele que domina a terra, em confronto com a do índio “selvagem”, aquele que afirma ter posse, mas que não a merece aos olhos dos colonizadores. Isso porque é com essa construção que se tece facilmente o bom e o mal, de forma que essas noções se enraízam no senso comum. O merecimento previamente citado se dá, em uma sociedade capitalista, pela produção de riquezas, já que nessa realidade o que não produz é desperdício; os índios, por outro lado, enxergam a terra como algo pertencente ao criador para o usufruto de todos.

O que se percebe aqui é a posse da terra de duas visões distintas, mas que não completamente se anulam nos dias de hoje. Para os Guarani Kaiowá, a terra é identidade, é lar. Os valores culturais que aplicam a ela são extensões de sua história, a base de sua pretensão de futuro. Os fazendeiros, por outro lado, enxergam nela possibilidade para produção, capital. O motivo de não se anularem é que, dentro do sistema capitalista, aquele que detém os meios de produção se vê neles, tal como uma extensão de si. Da mesma forma que pessoas se veem e identificam com marcas e outras objetos que geram certo “status social”.

Os índios guardam a memória dos amigos e familiares que morreram ao confrontar os invasores, onde foram enterrados. Também recordam a maneira como os confrontos se desenrolaram; podem contar em detalhes a forma brutal como foram tratados, assim como demonstram estarem cientes das estratégias maléficas daqueles que os exterminam guiados pela ganância. Da mesma forma por quem os apoia; a cumplicidade do Estado para com o agronegócio se faz evidente.

O diretor Vincent Carelli

Em momentos do documentário, Vincent Carelli inclui menções a redes sociais, como Facebook. É uma maneira de assimilar, então, os protestos e manifestações online como complemento e representação de parte da sociedade ao ativismo que é o filme; afinal de contas, a obra só foi possível graças ao financiamento coletivo através das redes. É um atestado não só da fé daqueles que acompanham o trabalho dos cineastas e a sua luta, mas de como pelo menos parte da sociedade já percebe a necessidade de um filme como esse. O que Vincent Carelli e sua equipe conseguem fazer aqui é o desmonte de uma narrativa colonizadora repetida à exaustão até se tornar uma verdade, uma narrativa que “exotizou” e desumanizou os povos nativos. Vincent o faz sem a necessidade de ser tendencioso, já que as vítimas e seus agressores falam por si, expondo suas interpretações da história.  O resto são os fatos.

SERVIÇO:

O quê: exibição do documentário “Martírio”

Onde e quando: no Arte Pajuçara, quinta-feira, dia 13/04 (17h45); terça-feira, dia 18/04, exibição seguida de debate (15h); quarta-feira,  dia 19/04 (15h45).

Ingresso:  R$ 12 (inteira) / R$ 6 (meia)

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