Sensível e humano, “A Cidade Onde Envelheço” carrega uma melancolia saudosa

Texto de Leonardo Amaral (com revisão de Nilton Resende) para o Alagoar. Foto: Bianca Aun.

 

É comum esperar pelo futuro com sentimentos de medo e ansiedade. A perspectiva de onde estaremos em alguns anos, e por qual motivo estaremos, faz parte de uma crise comum especialmente em jovens recém-saídos do ensino superior: a famosa crise dos 20 e poucos anos. Afinal, supostamente houve o fim de uma longa fase, então o que vem agora? O que há antes da famosa e prometida estabilidade? O mesmo que houve por todo o tempo: o vislumbre do que está por vir.

“A Cidade Onde Envelheço” é um filme dirigido por Marília Rocha e escrito em conjunto com João Dumans e Thais Fujinaga. O longa acompanha o cotidiano de duas imigrantes portuguesas que, por motivos não explicitados, decidem se mudar para o Brasil. São amigas de infância que não compartilham a mesma fase da vida, isso porque Teresa (Elizabete Francisca) acaba de chegar ao país e busca seu lugar nesse novo mundo, enquanto Francisca (Francisca Manuel) a abriga em sua já conquistada casa, em sua realidade.

O desenvolvimento das personagens e suas vivências é o claro foco do filme. Teresa, com seu jeito extrovertido, está cheia de curiosidade para sentir tudo que Belo Horizonte pode oferecer, o que seu povo pode mostrar. É nos estranhos e em suas histórias que ela parece encontrar conforto para a saudade de casa, isso porque eles são o que tem agora, o que busca enraizar: sua nova terra. Enquanto isso, Francisca, que presumidamente já passou pelo que Teresa está passando, trabalha como garçonete e não mais carrega o deslumbramento de uma recém-chegada. Conquistou parte do que foi buscar ali, mas ainda assim não se sente parte daquele lugar.

É com essas personalidades que o filme abre espaço para a discussão de temas existenciais e sociais como pertencimento e identidade, seja em um nível nacional ou individual. E não, o roteiro não se perde ao lidar com temas complexos, porque, tal como as vidas que captura, o faz sem a pretensão de buscar ou dar respostas definitivas.

Marília reforça o registro do cotidiano por meio de um estilo híbrido: a linguagem documental se mistura com a ficcional e fisga o espectador que não vê sua experiência afetada por qualquer excesso cinematográfico, momento de inverossimilhança. A constante câmera na mão, o som direto e a narrativa em segundo plano geram um cinema naturalista, cru, com seu estudo de personagens sendo a força motriz do ritmo bem conduzido da obra. Não só esses fatores, mas o filme também traz muitos “não atores”, ou seja, que não apresentam formação ou experiência prévia, inclusive são assim as protagonistas. O resultado desse “experimento” é acertado, graças à direção firme e experiência de Rocha.

Marília Rocha nos traz um filme sensível e humano, que carrega uma melancolia saudosa e desnorteada. É o abraço de que os perdidos precisam e os tapinhas nas costas para aqueles que se vão no horizonte sempre visível, transmutando. Onde cada um estará dentro de alguns instantes, e ainda desejaremos estar. O local que detém a finalidade de nossas expectativas e a memória de onde estivemos alguns horizontes atrás. Guarda Portugal e Brasil; Belo Horizonte e Lisboa. As terras cercadas por um mar de mesmas águas onde envelheceremos em nós mesmos, como nós, até o fim.

SERVIÇO

Filme: A Cidade onde Envelheço, de Marília Rocha

Onde e quando: No Arte Pajuçara, com sessões às 15h (exceto segunda-feira, 13/12)

Ingresso: R$ 12 (inteira) e R$ 6 (meia-entrada)

Classificação indicativa: 12 anos

Mais informações:

(82) 98882-8241

(82) 99135-8146 WhatsApp

(82) 3316-6000

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