Texto: Rosana Dias. Revisão: Larissa Lisboa. Imagem: Circuito Penedo de Cinema - Hygor Peixoto e divulgação
14º Festival de Cinema Brasileiro de Penedo | Circuito Penedo de Cinema – Dia 04 – 25/11
Na quinta-feira (25) foram exibidos 05 curtas metragens no 14º Festival de Cinema Brasileiro de Penedo, com temáticas sobre corpos, tecnologia, degradação ambiental e racismo estrutural. Dentre os curtas, o alagoano Subsidência, com direção de Beatriz Vilela e Marcus José de Souza.
Com um olhar voltado para desejos e necessidades reprimidas, o curta metragem Entre, de Ana Carolina Marinho e Bárbara Santos (SP) nos mostra o que comumente vemos em filmes que abordam sobre violência doméstica e relações homoafetivas, a impossibilidade das duas personagens, Jaci (Daniela Evelise) e Maria (Anna Zêpa), de ficarem juntas.
Um fator inquietante no filme é a passividade de uma das personagens, a que vive a relação heteroafetiva e, enquanto a sua admiradora vai em busca dela com a necessidade de tirá-la de seu aprisionamento e também de se satisfazer sexualmente, Maria fica ali imóvel e resiste em sair de seu aprisionamento.
O veio poluído do rio Tietê se encontra entre elas, como uma alegoria de toda aquela situação entre o trio Jaci, Maria e seu companheiro.
Luiz enxerga o que poucos podem ver, apesar da perda da visão. Urubá, um curta de Rodrigo Sena (RN) nos leva ao cotidiano de Luiz em sua prática espiritual e religiosa, enxergar além do que se vê, abrir o terceiro olho, sensibilidade espiritual aflorada. A inquietação de Luiz Gonzaga de Melo, conhecido como Luz de Yemanjá, com o glaucoma, mas também sua aceitação, pois na sua geração familiar a perda da visão é algo constante, ele sabe que tem que se adequar. O peso e a compreensão de um desafio, a capacidade de lidar e aceitar as limitações.
Somos entregues aos cantos dos orixás, às danças, à leitura dos búzios. Um destino marcado, só respeitar. Rodrigo Sena mostra cenas de rápidos movimentos como as danças e também de contemplação de objetos sacros, bem como da comunidade onde Luiz reside. Conhecer e ver por outros olhares e lentes.
Bairros marcados pelo descaso em Subsidência, curta experimental de Beatriz Vilela e Marcus José de Souza (AL) mostra os efeitos devastadores causados tanto nas residências como em quem ali residia. Famílias que tiveram de deixar suas moradias devido às rachaduras provocadas pelo afundamento do solo em bairros como Pinheiro, Mutange, Bebedouro, Bom Parto e Flexal.
Acordar em uma realidade que se aproxima de um pesadelo, a personagem de Subsidência, interpretada por Gessyca Geyza, se vê em desespero ao acordar em uma casa cujas paredes estão tomadas por rachaduras profundas, não há portas, nem teto, nem janelas, apenas paredes degradas, o solo afunda, a personagem tenta a fuga daquele lugar, como a fuga da realidade, mas em todo lugar que olha e por onde passa, todas as casas daquele bairro estão do mesmo modo.
A visão pelo drone nos mostra casas sem telhados, apenas paredes ainda erguidas, e são várias, como caixões, uma próxima à outra. Cemitérios de casas, bairros inteiros abandonados. Lembrei de minha tia e minha prima que tiveram de deixar suas casas em março deste ano. A visão que tive ao voltar às suas casas foi de tristeza profunda e muita dor, na casa de minha tia passei toda a minha infância com minhas primas, Subsidência nos mostra que essa dor está em mim e também está em todas as famílias que vivem nesse pesadelo causado pela BRASKEM.
Curta experimental Abjetas 288, de Júlia da Costa e Renata Mourão (SE) mostra um futuro distópico no nordeste do Brasil. Seria o futuro, o presente que já vivemos? Marcados pela desigualdade, condições ambientais adversas e a desumanização de seus povos originários, regime autoritário, o capital acima de tudo e de todos, o poder acima e por cima com suas botas em nossas gargantas. Uma cidade com controle social e vigilância constante além de forte uso da tecnologia. O futuro já é o que vivenciamos.
O curta foi feito com baixo orçamento, mas viaja na possibilidade de experimentar possibilidades de criticar uma sociedade guiada pela necessidade de consumo. As personagens Joana e Valenza brincam com seus corpos, numa dança ora ritmada, ora desarmônica ou robotizada, como uma alegoria ao estado presente.
A beleza de Rose, com direção de Natal Portela (CE) nos mostra a personagem Rosa, jovem e mãe, que após deixar seu filho na escola sai em busca de emprego. Nas primeiras cenas do filme não vemos o rosto de Rosa, apenas ouvimos sua voz, em filas de emprego para entregar currículos, mas falta algo em seu currículo, uma foto, é aí que tentamos descobrir quem é essa mulher, ao ir tirar uma foto 3×4 para anexar ao currículo, uma das mulheres que estão na fila de espera pede para Rosa prender seu cabelo, pois ficaria melhor apresentável para quem procura emprego.
O filme A beleza de Rose questiona o racismo estrutural, modelos de beleza impostos e a predominância do alisamento capilar como forma de ser melhor aceita para o mercado de trabalho. Em outro momento temos uma cena na escola que seu filho estuda, na qual a TV está ligada com a imagem de um vídeo da Xuxa, com as crianças a brincar. Xuxa é a representação de um padrão que há muito foi e ainda é aceito, a mulher branca, loira e alta, e com cabelo liso, apresentadora de um programa matinal e juvenil com enorme audiência. Inúmeras são as crianças brasileiras que não se identificavam e não se identificam com esses arquétipos, o curta nos mostra a necessidade urgente da quebra desses padrões.
As mostras serão tanto no formato online quanto no presencial. A programação completa do Circuito poderá ser vista no site circuitopenedodecinema.com.br Os textos sobre a cobertura do Circuito Penedo de Cinema estarão disponíveis aqui.
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