Crítica: 4 Bilhões de infinitos (dir. Marco Antônio Pereira)

Texto: Matheus Costa. Revisão: Larissa Lisboa. Imagem: divulgação

“-Eu queria muito te dar um presente esse ano, só que eu não tenho dinheiro.
-O importante é que a gente tá junto.” 4 Bilhões de infinitos

É sempre difícil dar início a um texto sobre filme, existe uma infinidade de assuntos para abordar, principalmente, quando estamos, ou melhor, tentamos escrever comentários que dizem respeito a uma manifestação artística que possibilita uma pluralidade de interpretações e abordagens.

Nesse contexto, o curta-metragem 4 Bilhões de infinitos nos faz atentar para um aspecto indispensável nesse momento histórico, o vínculo. Em uma leitura mais objetiva do curta-metragem poderíamos centralizar que a condição que possibilita o filme seria a falta de energia elétrica, mas eu gostaria, se você me permitir, de focar em outro aspecto que o permeia.

Família.

Você já parou para pensar sobre qual é o ideal de organização familiar brasileiro? Muitos podem acreditar que seja a famosa família nuclear, isto é, um casal heterossexual com sua prole, vulgo, filhos. Talvez, essa seja a realidade para uma pequena parte das famílias brasileiras, entretanto, não representam a sua totalidade.

As famílias brasileiras estão mais próximas de um modelo familiar conhecido como matrifocal, ou seja, na qual existe uma centralidade na figura da mulher, pois há uma ausência, afastamento ou morte do pai.

Esta realidade é mostrada no curta-metragem, em nenhum momento podemos observar essa figura simbólica representada na vida das crianças, a saber, o pai. Isso implica em uma situação emblemática que muitas famílias brasileiras conhecem muito bem, a sobrecarga que a mulher carrega devido a ausência de uma rede de apoio na manutenção das necessidades básicas dos filhos.

Além disso, essa condição vai demandar dos filhos um processo de maturação acelerado. “Tô indo trabalhar. Você cuida da Ana Júlia, dá ela o almoço. Ensina ela o dever.” Geralmente, fazemos uma associação da infância como lugar privilegiado para o brincar, da não responsabilidade e puerilidade, entretanto, podemos observar que este ideal desta fase da vida não está em concordância com muitas infâncias, sendo o caso do nosso protagonista.

Por isso que, Adalberto nos encanta, pois apesar de todas as contradições e dificuldades, existe um espaço para o brincar, para a imaginação, para a esperança de um futuro melhor e de fazer vínculos. Sim, a despeito de tudo, há algo que toda a dificuldade não pode cessar, a saber, o amor que une-o à sua mãe e irmã.

Ademais, Adalberto nos permite pensar na infância mais como possibilidade de ser do que como um ideal. Com isso não tento justificar as contradições entre o que deveria ser a infância e o que é, mas pensar em maneiras de não patologizar uma realidade marcada pelos gargalos sociais. Dessa forma, a infância é permeada pelo social, pela família e pelas contingências.

Aliás, não só a infância, como a concepção de família. Não há como pensar em um ideal de família, pois esse modo de organização é feito mais como forma de contingência do que de que como exercício da idealização. Isso, Claudete Alves nos mostrou em 2008 na sua tese de mestrado sobre solidão da mulher negra em São Paulo. Além disso, Alves é afirmativa em mostrar que não há um modelo de família.

O presente.

Eu gostaria de pedir desculpas, pois eu menti para você! 4 Bilhões de infinitos não é a história de uma família com a energia cortada, mas sim, de um presente.

Deixe-me explicar…

O começo do curta-metragem é a demonstração de “vir a ser”, para nos ajudar em uma compreensão mais acurada desse “vir a ser”, usaremos Bergson. O filósofo francês introduziu a ideia de fato psicológico, isto é, um fato que não há no mundo exterior e é impossível de ser localizado fisicamente. A sua existência é a obra da consciência e apenas dela.

Sendo assim, Adalberto tem uma ideia, ou um fato psicológico. Ele deseja presentear sua irmã com esse “vir a ser”, mas as condições materiais impossibilitam essa aspiração. Por isso podemos observar o seu percurso até a realização desse “vir a ser”.

No entanto, para que esse “vir a ser” possa acontecer é preciso fazer uso da imaginação para criar uma fonte de energia. Bem como, desrespeitar as normas familiares, “Ah se mamãe ficar sabendo que você roubou esse cinema, ela vai te matar e você vai ser preso.”, para assim desembocar nele. Mesmo assim, nada parece impedi-lo.

Considerações finais.

Como estamos no final, eu posso falar, finalmente, que 4 Bilhões de infinitos não é um curta-metragem sobre energia elétrica, presente ou vínculo, mas sim de tudo isso. Ele consegue trazer temas sensíveis e profundos sem romantizá-los.

Além disso, retrata a realidade de muitas famílias que sofrem com esses aumentos incansáveis na tarifa da energia elétrica, o contexto neoliberal é cansativo, hem! Pois alega um local de não existir para a população trabalhadora de camada menos abastada em um país marcado pela desigualdade social. E que apesar disso, insiste em uma ideia de meritocracia. Esses neoliberais, hem!

Nesse sentido, podemos pensar em Adalberto como uma metonímia, que apesar de todas as dificuldades decidiu pelo amor. E por isso, agradeço-lhe.

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