Crítica: Nem Todas as Manhãs são Iguais (dir. Fabi Melo)

Texto: Katia Barros. Revisão: Chico Torres e Larissa Lisboa.

Flor e Chocolate Quente

O curta metragem Nem todas as Manhãs são Iguais, de Fabi Melo, tem a tendência de transportar qualquer espectador para os tempos de sua infância, despertando um sentimento saudosista das coisas de casa de vó, principalmente para aqueles que já perderam esse membro da família que está mais para anjo do que humano.

Somos levados ao longo do curta a sentir não apenas a perda da avó querida, mas também o processo doloroso e nostálgico de se desfazer das lembranças, quinquilharias, roupas, objetos de decoração. E, neste momento, adquiro lugar de fala, pois sei como é ver cada pedacinho de história que um dia compôs a vida de alguém se desmanchar no tempo como poeira.

O curta não poderia ter outro narrador que não fosse Ana, uma criança sensível às coisas ao seu redor e muito delicada nas palavras e gestos. Com uma atitude muito madura, ainda que absolutamente ingênua – porque essa coisa de ser pura é legítima das crianças – é Ana quem traz, diante de uma perspectiva infantil, sua avó de volta para casa. Escancara as portas e janelas, cuida do jardim e ressuscita as plantas que sempre foram o xodó de sua velhinha. Abre as estantes, sacode a poeira das fotografias e lembranças mais deliciosas que uma neta pode ter. Mas ela não para por aí. Acompanhada por seu pai, um filho magoado pela perda da mãe, mas que pela dureza de ser adulto engole as lágrimas, ela o acolhe com sua ternura e o deixa à vontade quando diz: você pode chorar se você quiser. Eu já vi um monte de menino chorando lá na escola.

A profusão de sentimentos que o curta nos proporciona é consequência não somente da atuação de seus protagonistas, mas também da mise-en-scène do filme que foi trabalhada de forma coerente com a ideia central do curta: a composição das cenas que traz recortes dos objetos, dos móveis da casa, detalhes dos utensílios usados por uma mulher (a avó) que tinha em seu lar o paraíso, que compartilhou por anos com sua neta e filho.

Os closes nas fotografias, algumas em preto e branco, atiçam o sentimento de nostalgia que todos nós conseguimos nos identificar em algum momento. É por esse jogo bem elaborado de imagens que essa produção se destaca, um modo sensível de abordar um tema delicado e por vezes doloroso de se falar: as despedidas das avós e avôs.

Assim como Ana, muitos netos gostariam de ter tido a oportunidade de sentir o cheiro de suas nonas uma última vez, ainda que fosse naquele vestido estampado, tantas vezes usado nas reuniões de família, ou pelo simples aroma de um chocolate quente apreciado entre as perfumadas flores de um jardim.

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