Cobertura: Mostra NAVI – Programa 02

Texto: Emanuella Lima. Revisão: Larissa Lisboa.

Cobertura IV Mostra NAVI- Programa 2- Giramundo | Festival de Cinema de Arapiraca

O programa 2- Giramundo da IV Mostra NAVI é composto por cinco curtas-metragens. Os filmes selecionados para esta sessão foram construídos de maneira bastante simbólica, cheios de nuances e sentimentos. O que prende a atenção do público são as formas como os filmes se costuram entre si, um após o outro, ficamos com aquela sensação de que algo muito bom está por vir. Os curtas não nos decepcionam, pelo contrário nos surpreende, em cada detalhe.

O primeiro filme exibido nesta sessão foi Cadim (SP) dirigido por Luiza Pugliesi Villaça. A animação de apenas seis minutos é bastante cativante. A maneira em que a história é contada eleva nossos instintos e nos abraça.

Na trama, somos convidados a viver as aflições de um personagem que, mesmo sem falas, consegue nos convencer a acreditar na bondade do destino de alguma forma.

No curta, o personagem é um homem repleto de traços pretos que dão forma ao seu corpo. Ele usa um chapéu e carrega um passarinho preso em uma gaiola, uma enxada e algumas sementes. Parece que deixou sua família para trás e seguiu a procura de um lugar onde pudesse cultivar suas plantações.

Depois de muito andar, ele encontra um pedacinho de terra, no meio do nada, planta suas sementes e elas crescem rapidamente. Em um momento de distração seu pássaro foge da gaiola e voa em busca de liberdade, mas acaba sendo atingido pelos tiros disparados da arma do dono daquela terra.

Enquanto tentam fugir, eles acabam passando dias caminhando até que o passarinho se recupera do ferimento. Nesse momento, percebemos que a gaiola onde a ave ficava havia sido danificada, e que mesmo tendo a possibilidade de voar, por medo ou por amor, o pássaro decidiu ficar e seguir o caminho em busca de uma nova terra.

O filme é muito bem construído, cheio de aventuras e com um desfecho intrigante. Gosto de pensar que, nesse espaço de busca por um lugar para plantar e colher, talvez o personagem tenha reconhecido que, seria mais importante seguir seu caminho do que brigar com quem era mais forte do que ele. Além disso, enquanto salvava seu pássaro, ele deixou suas sementes para trás, revalidando esse sentimento de valorizar as coisas que nos dão impulso para seguir em frente.

Sereia (AL) dirigido por Ronald Silva é uma ficção que me deixa estagnada toda vez que assisto. Este curta é muito sensível e possui um enredo incisivo, diria até que, de muitas formas, consegue nos transportar para algum momento de nossas vidas em que precisamos avaliar e pensar nas inúmeras formas de preconceitos que nos foram impostos.

Esse filme se constrói, principalmente, em um diálogo entre irmãos. Silvia é irmã de Renato que, devido a pandemia da Covid-19, precisou manter distância de seu irmão, mas tudo mudou de lugar, quando Renato achou uma velinha de aniversário da ‘Pequena Sereia’.

Sinto a angústia de Renato que, parece passar dias pensando em falar com a irmã sobre o assunto, até que enfim, decide ligar para ela, por chamada de vídeo.

É nesse momento que Renato externa suas saudades, convicções e que se reafirma no mundo. Silvia por mais que se mostre resistente a ideia de ter um irmão não-binárie, consegue quebrar essa barreira, ao ver a velinha que foi usada no aniversário de nove anos de Renato e relembra o amor que ela sente por ele, independe de suas escolhas e sexualidade.

Enquanto se encontram com o real sentimento que mantém as relações, Silvia e Renato se permitem ser revisitados e por mais que pareça que assuntos como esse, tratado no filme, estão sendo falados o tempo todo, considero que seja cada vez mais importante manter esse discurso em alta, para que relações como a de Silvia e Renato possam ser reconectadas e transformadas.

 Cinéfilo com Causa (SP) dirigido por Catarina Forbes, é um filme envolvente e cômico.

O curta se passa em um cinema e traz Tiago, um jovem cinéfilo apaixonado por filmes antigos. Ao convidar um amigo para assistir um clássico do cinema, Tiago acaba cometendo um erro gravíssimo.

Sentimos o amor de Tiago pelo filme Juventude Transviada, o que ele não esperava, era que o clássico que ansiava assistir, pudesse ser retirado de cartaz segundos antes dele entrar na sala de cinema.

Infelizmente, enquanto aguarda a exibição do clássico, ele acaba tendo que lidar com a notícia de que o filme que eles iriam assistir havia sido cancelado, para que outro filme que contava com um público bem maior fosse exibido.

Revoltado com a situação, ele acaba disparando um spoiler sobre o final do filme nerd que estava sendo exibido na sala. Mesmo sendo xingado pelas pessoas que estavam no local e enquanto caminha para a saída do espaço, ele fica vislumbrado ao perceber que por algum “acaso” do destino, o filme que estava passando na tela era o que ele tanto queria assistir.

É bem fácil associar o contexto da trama ao que acontece constantemente na indústria do cinema. Por mais que exista um público querendo assistir filmes diferentes do que está no topo dessa rede, essas pessoas acabam perdendo espaço e precisando se adequar ao serviço de streaming ou buscar lugares diferentes para ver aquilo que realmente as atrai.

Assim a revolta de Tiago pode ser estendida, já que sabemos que, muitas vezes, produções incríveis não ganham tanta relevância, por não atrair um grande público, ou por não estar adequada ao que as grandes bilheterias querem reproduzir.

Entre Rimas e Improvisos (AL) dirigido por Dellanisson Araújo é um dos dois únicos documentários presentes nesta Mostra. O filme conta um pouco sobre a história do Rap em Alagoas e como esse espaço ganhou forma ao longo de dez anos.

O curta se desenvolve por meio de relatos e consegue nos apresentar a uma realidade um tanto quanto desconhecida, mas sempre marginalizada.

A cultura do Rap chegou ao Brasil no final dos anos 80 e em Alagoas seus primeiros registros foram documentados através de relatos e imagens em 2011. Hoje mesmo com os incentivos do Governo através da Lei Aldir Blanc, esses grupos ainda continuam à margem da sociedade.

Não temos dimensão de quantas vidas foram mudadas através das batalhas de rima em Alagoas, mas sabemos que essas pessoas não têm visibilidade suficiente. Um fato que chamou a atenção nesse filme, é que em (2020), uma garota se destacou entre os rimadores do Estado e caminha para se tornar a primeira mulher alagoana campeã nacional de batalhas de rap.

Fazer arte no Brasil é loucura, mas em Alagoas parece um sacrifício, o que nos conforta é saber que existem pessoas dispostas a pagar o preço e conquistar seus espaços.

O último filme dessa sessão é Mané (AL) produzido coletivamente. Este curta retrata uma tradição presente no Povoado Poxim, na cidade de Coruripe, em Alagoas. O filme, construído em forma de documentário, conta um pouco do Folguedo de Mané do Rosário. 

Como narradora dessa história, temos dona Maria Benedita, conhecida como‘Traíra’ que, nos revela que a tradição surgiu no povoado em uma época, onde os brancos e os negros não podiam se misturar. 

O folguedo acontecia durante os nove dias que anunciava o fim da quaresma na Igreja Católica. Em meio a novena, dois homens negros (Mané e do Rosário), se reuniam na porta do templo cristão e faziam suas danças. O que ninguém sabia era de onde eles vinham ou para onde eles voltavam.

O filme repleto de signos, mostra como eram as danças feitas por Mané e do Rosário, no tradicional folguedo. Para manter a tradição no Povoado, um grupo composto por idosos, jovens e crianças negros, saem pelas ruas da cidade, todos os anos, com os rostos cobertos ou pintados e dançam ao som do batuque do bumbo e da flauta.

Enquanto vive e relata o folguedo, dona Maria relembra sua infância e fala sobre a ignorância daqueles que tentaram afastar os negros de suas raízes.

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