Texto: Memórias por um fio (dir. Ivana Iza e Thiago Laion)

Texto: Larissa Lisboa

Memórias por um fio (dir. Ivana Iza e Thiago Laion) é um filme costurado por relatos de trabalhadores da Fábrica de Tecidos Norte Alagoas (Companhia Fiação e Tecidos Norte de Alagoas) e de familiares dos donos da empresa (Família Nogueira), em meio às ruínas dos locais nos quais tiveram suas vivências.

A celebração que Memórias por um fio apresenta não soa como uma construção que está comprometida com o que foi vivido de bom e de ruim naquelas instalações, é perceptível a romantização da exploração sofrida pelos trabalhadores da fábrica, pois é assim que eles mesmos relatam as suas vivências, com veneração ao dono da empresa que os empregava. Destaque para uma das funcionárias que relata que foi suspensa por 15 dias porque sua máquina estava “enrolada”, que não parece demonstrar insatisfação em ter sido punida. Parte também da tímida tentativa de dar espaço na narrativa ao que não era tão bom, foi a fala do historiador que lembra que havia imperfeições nas relações de trabalho como em qualquer outra.

Em contraponto, este texto nasce pela impossibilidade de resumir essa obra a invisibilização  do que não foi tão bom e que cabia não seguir silenciando ou da celebração dos momentos vividos pelos funcionários e familiares que trabalharam e viveram na vila operária da “fábrica da saúde”. Uma impossibilidade deflagrada a partir das simbologias apresentadas e despertadas por cenas das ruínas apresentadas neste filme. 

Abro um parêntese para contextualizar a localização desta fábrica em Maceió, no bairro de Ipioca num território mais conhecido como Saúde, espaço em que passou a ser industrial e residencial com a implantação da Fábrica de Tecidos Norte Alagoas que criou a vila operária, escola, entre outras instalações. Um lugar que não foi foco de exploração imobiliária, em um século de sua criação – e até o presente momento. 

Foi neste cenário pacatamente habitado até 1983 e progressivamente desabitado nas últimas décadas, que muitas pessoas que não presenciaram a Fábrica em funcionamento, apenas puderam, podem e poderão  imaginar o que um dia fora a vida por ali.

O que você sente quando encontra construções abandonadas? E quando são ruínas antigas? Em específico, o que você sente ao ver esta imagem das instalações da Fábrica de Tecidos Norte Alagoas em ruínas?

Foto Prof Cabral (https://andrecabralhistoria.blogspot.com/2019/01/companhia-de-fiacao-e-tecidos-norte-de.html?m=1)

Maceió como muitas cidades está repleta de construções abandonadas, fato que foi agravado pelo crime ambiental da Braskem, que resultou na retirada de todas as construções dos bairros do Pinheiro, Bom Parto, Mutange, Bebedouro e parte do Farol. Conviver com ruínas pode implicar em acolhê-las, desejar restaurá-las, ressignificá-las ou destruí-las, mas também pode caber negar-se a conviver com elas.

Para as pessoas nas quais as ruínas despertam curiosidade (no meu caso me fascinam), vislumbrar esta Fábrica (fisicamente, no filme ou pela fotografia) ativa o desejo de saber histórias de lá, de ver filmes sendo feitos a partir daquele lugar (ou não lugar), pois é possível vislumbrar conexões entre ruínas e o cinema. 

A presença dos personagens ressignificam as ruínas daquela fábrica – que encerrou as suas atividades há quarenta anos, eles acessam suas memórias, emoldurados por fios vermelhos que também são inseridos enquanto símbolo de vida, do trabalho, do que parece mas não é só que parece ser.

Além das ruínas representadas pelas instalações da Fábrica, apontaria também algumas imagens trazidas por Memórias por um fio como “ruínas”, as dos fragmentos de registros da Fábrica em funcionamento feitos pela Família Nogueira em película Super 8, que resistiram à destruição imposta pelo tempo. 

Somada a fabulação aflorada do encontro entre os personagens e as diversas ruínas ao redor deles (das edificações, da extinção de um tempo, da necessidade de resumir o que não foi breve nem simples), é possível sentir ao encontrar as “ruínas de películas”, cenas que mostram setores da fábrica em funcionamento, uma oportunidade para extravasar a narrativa do filme.

Os fragmentos de Super 8 inseridos em Memórias por um fio garante ao espectador acessar imagens que até então estavam inacessíveis, que poderiam nunca ser reconhecidas como partes de um filme ou sequer cogitadas como um filme inteiro. Esses fragmentos reafirmam o potencial do ato de registrar, do que transborda quando há a junção de imagens de acervo com outras mais recentes. Um exercício que o filme também faz ao mostrar as edificações sendo sobrepostas por fotografias antigas em preto e branco (como na imagem em destaque deste texto). 

O ato de inserir fragmentos de Super 8 também pode ser encontrado no filme alagoano Tempo de Cinema (dir. Rafhael Barbosa), que intercala cenas dos filmes de ficção de Joaquim Silva Santos: Profissão Matador (1975), O Grande Assalto (1975) e Somos Culpados (1977), que funcionam como ponte entre o cinema apresentado pelos relatos dos personagens de Tempo e o ato de criar narrativas (ou de apreciar) dos filmes de ficção, encontro entre formas de memória e fabulação. 

Em meio a suas cenas finais, Memórias por um fio, revela que além de enfocar o passado e registrar um presente e presença, poderia abarcar e sinalizar um futuro, o qual prevê uma total ressignificação daquele lugar (que deixará de ser um não lugar). Fato que sinaliza o quanto este filme se conecta ainda mais com os registros de películas que foram se tornando mais relevantes com o passar do tempo e em meios as transformações do que nelas estava imutável.

Sobre Larissa Lisboa
É coidealizadora e gestora do Alagoar, compõe a equipe do Fuxico de Cinema e do Festival Alagoanes. Contemplada no Prêmio Vera Arruda com o Webinário: Cultura e Cinema. Pesquisadora, artista visual, diretora e montadora de filmes, entre eles: Cia do Chapéu, Outro Mar e Meu Lugar. Tem experiência em produção de ações formativas, curadoria, mediação de exibições de filmes e em ministrar oficinas em audiovisual e curadoria. Atuou como analista em audiovisual do Sesc Alagoas (2012 à 2020). Atua como parecerista de editais de incentivo à cultura. Possui graduação em Jornalismo (UFAL) e especialização em Tecnologias Web para negócios (CESMAC).

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