Texto: Rosana Dias. Revisão: Larissa Lisboa. Imagem: Vanessa Mota.
Nesta quinta-feira, 07 de dezembro, teve início a 14ª Mostra Sururu de Cinema Alagoano, uma ação que possibilita a contemplação da produção audiovisual realizada no Estado de Alagoas. Com videoclipes e curtas-metragens. Tendo como cerimonialista o professor, escritor, ator e realizador audiovisual Nilton Resende. A carta da curadoria foi lida, e através dela falou-se sobre os filmes que compõem a Mostra tendo como temática da noite o meio ambiente, e em consequência disto o papel do cinema como um recorte de nossa sociedade. Maceió afunda em lágrimas e isso não poderia passar sem ser denunciado.
Durante a leitura da carta houve protesto pela ação da Braskem na Capital alagoana, falou-se sobre o crime ambiental e da necessidade dos registros audiovisuais. Houve também, após a exibição dos videoclipes e filmes, debate com as pessoas representantes dos filmes mediado de forma brilhante pelo ator Ronald Silva.
Foram três os videoclipes, tendo a ancestralidade, a mulher, a negritude e o amor como tema, Mary Alves entremeia estes em “A Água do Mar Lava” (2022), Janu aposta no afrofuturismo em “Caiu no Poço”, (2023), com participação do Grupo Mané do Rosário, folguedo alagoano de Coruripe e uma homenagem à Mestra Traíra. O rap alagoano NSC sobe aos palcos do Teatro em Lágrimas e notas (2023) subvertendo o lugar, enquanto inconsciente coletivo de elite, com suas rimas.
“Benção”, com direção de Maysa Reis, é um documentário sobre a construção dos sonhos de mulheres, sobre histórias costuradas na memória do tempo. Maysa abre as portas de sua casa para nos falar de suas avós, de sua relação com essas mulheres, em um contraponto de gerações.
Bernadete, a avó materna, morou no interior de Alagoas, foi lá que ela formou sua família, uma mulher com filhos de alguns amores, vivendo em uma sociedade interiorana machista. Dona Cecília, a avó paterna, com sonho de ser escritora e professora, exprime por meio da escrita seus desejos de dias melhores, da angústia de viver em uma sociedade injusta.
Em “Benção” temos o contexto social vivido por tantas famílias, mulheres que deixaram seu lar em busca de algo melhor.
“Jiripancó – Escola do Nosso Eu”, de direção de Aldemir Barros (2023), aborda sobre o sistema de educação nas aldeias indígenas, com recorte para Pariconha, município no qual está a comunidade. O professor Cícero Ferreira, um dos entrevistados fala acerca do contexto étnico e indígena, educar neste território é respeitar a liberdade que ali se tem, é perceber que este território possui outra dimensão, a educação é pautada sobre os saberes e fazeres de um povo, sua língua e práticas territoriais. Aldemir também nos apresenta à Mestra Lia, sobre o respeito desse povo aos encantados, e rituais que foram gravados, com autorização do Cacique.
Educar e aprender com outro olhar, em Jiripancó temos uma pequena dimensão sobre as especificidades de um povo, que luta para manter suas tradições, mas que também insere a tecnologia como suporte de sua luta, tendo na educação escolar a inserção de seus valores, de sua língua e a transmissão de conhecimento, portanto, ter um professor indígena é proporcionar essa manutenção.
Com uma fotografia exuberante, temos em “Marisqueiras da Lagoa Mundaú”, curta-metragem de Anderson Barbosa (2023) a força potente, não só braçal, mas intuitiva dessas mulheres que sustentam os seus lares a partir da venda de mariscos. Relatos que nos revelam seus sonhos e desejos por dias melhores. É da Lagoa Mundaú que elas tiram seus rendimentos, investem na educação. Outra personagem potente deste filme é a própria Lagoa Mundaú representada como fonte de vida, que resiste apesar do descuido e crimes ambientais de empresas como a Braskem e a gestão pública no âmbito estadual e municipal.
Foram mostrados o processo da pesca, da limpeza e venda. Vemos também a importância de reaproveitamento das cascas desses mariscos que são transformadas em cobogós. Essas mulheres, que também estiveram presentes na sessão, nos foram apresentadas em momentos de trabalho, mas elas também falam sobre vaidade, os cuidados que têm consigo, apesar do trabalho exaustivo.
“Na Ponta do Palito”, de Madlene Delfino é um registro sobre vida e obra do artista Arlindo, ele que transforma palito de fósforo em arte. É um filme dinâmico, que busca mostrar como iniciou o fazer artístico de Arlindo e como se caracteriza seu trabalho, é desse modo a apreciação da diretora, que nas suas andanças pelo Mercado do Artesanato de Maceió encontrou na arte singular de Arlindo Monteiro, fonte para a sua realização.
O único curta-metragem de ficção da noite, “Sargaço”, tem direção de Yuri Melo (2023), sendo um projeto de Conclusão de Curso, temos dois jovens, Bia (Ztrela) e Léo (Lucca Bargmann) que embarcam na profundidade de seus personagens, uma trama sobre a cumplicidade e o amor na juventude, gravado em Maceió, tem como cenário uma de suas praias, um paraíso cercado pela hostilidade da vida.
O carro dirigido por Léo também é outra locação, Sargaço nos amarra em seus enquadramentos, e com profundidade em seus diálogos.
Jackson Lima está em “Dentro de Mim”, documentário de Dayane Teles (2023), nele somos transportados para o ateliê de Jackson em Limoeiro de Anadia, um lugar de transformação do lixo à arte.
Com relatos que vão desde a infância até a idade adulta, das vivências dele no Rio Coruripe, e seu contato com um ser que o “visitava” todas as noites até ser transmutado em arte. Dentro de Mim, conta com a performance de Dayane Teles, que também atua no filme.
Perceptível a composição do filme, da harmonia resultante do trabalho de fotografia de Leandro Alves, montagem de Renata Baracho e colorização de Marcos André Caraciolo.
“Autista Artista”, de Maria Clara Lacerda Dantas (2023) é um mosaico de imagens numa turbulência que provoca os sentidos. Falar de si não é tarefa fácil e desvelar-se diante da câmera propõe uma sensibilidade com o outro que não é visto, mas que está ali. Maria Clara fala da solidão, da depressão e tudo isso numa composição estética, registro diário de uma vida que permeia limitações.
A arte está nela e ela reverbera em seu documentário, inserindo a digital de ser neurodivergente.
“Projeto de Doutorado.1” (2023), curta-metragem híbrido, nele a diretora e roteirista Roseane Monteiro também é personagem. A menina que viu na educação uma possibilidade de pensar a sociedade e modificar a sua realidade. Sair da periferia em plena pandemia para estudar na região sul do Brasil. Transformar um sonho em realidade, Rose foi a primeira pessoa da família a entrar em uma Universidade, só quem conhece a realidade da classe trabalhadora no país sabe a importância que isso tem.
Temos no curta o percurso de viagem de Rose para iniciar seu Doutorado, o contato com sua mãe, seu companheiro Fábio Cassiano, que também está na equipe do filme, as gravações de suas aulas online. Sair e retornar, uma comemoração de aniversário com os seus, que vai além de se comemorar mais um ano de vida. Rose comemora o projeto que revira sua vida, a vida e o percurso que ela toma.
Reescrever uma história, contar para que outros se identifiquem com ela, o cinema tem dessas coisas, como foi visto através dos filmes desta sessão de abertura da Mostra.
Escrevo este texto aqui na casa de minha vó, moradora do bairro Bom Parto, casa na qual fui criada. Aqui cresci e assim como a de Rose, é uma casa que sempre tem muita gente, muito barulho, conversas paralelas. Mas, daqui saem meus textos e daqui já saíram outros, além da minha caminhada para a Universidade pública também.
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