Crítica: Benção (dir. Maysa Reis)

Texto: Jaiane Karoline. Revisão: Mirante Cineclube e Larissa Lisboa.

Benção: Um Enredado de Singelezas

Com equipe modesta, esse curta está longe de parecer prepotente. E é nessa singeleza que o filme conduz o espectador ao longo de seus mais de vinte minutos. As cenas com a primeira avó, a Dona Bernadete, são povoadas pela presença marcante de azuis que saltam aos olhos e preenchem os espaços sem cometer excessos. Estão por todas as partes, nas fotos de família, no vestido da idosa, na parede, nas linhas de costura, na agulha de crochê, nos detalhes da roupa da neta, na cama do cachorro. Enfim, ali está a cor azul em cada canto dessa primeira parte da narrativa. Além disso, outros detalhes colocados em tela trançam sentidos que dialogam com as vivências relatadas pelas personagens.

A direção de arte, dentro da paleta escolhida, juntamente com o que é relatado por Dona Bernadete e os detalhes, gestos em que a câmera se detém, acerta na cor de destaque, que contribui para construir o tom fílmico. Não há casualidade no índigo. Segundo a psicologia das cores, o azul é uma das três cores primárias básicas, que não pode ser forjada a partir de outras, mas outras se originam dela, além de suscitar uma infinidade de emoções, inclusive antagônicas, tais como harmonia, simpatia ou tristeza e melancolia. Se pensarmos bem, lembraremos que nossas vidas costumam ser marcadas pela presença-índigo, o céu, o mar e tantas outras grandiosas coisas que nos rodeiam. Assim é também a personagem de Dona Bernadete, um ser singular, com suas limitações de locomoção, suas “brabezas”, mas também seu bom humor e sarcasmo. Ela é uma, mas nos remete a muitas mães e avós que, privadas de liberdade, sob as duras penas de uma sociedade patriarcal, crescem em meio a um terreno inóspito e pedregoso. Obedecem ao que essa estrutura exige delas e na altura da terceira idade têm suas falas atravessadas pela depressão na velhice sem perspectiva.

Com a avó Dona Cecília não é muito diferente. Quer dizer, evidentemente a história de vida é completamente distinta e os problemas encarados mesmo agora, na terceira idade, não são os mesmos. Dona Cecília não parece ter problemas para se deslocar, por exemplo, mas ainda assim, seus sonhos foram interrompidos pela sentença de ser filha, esposa e mãe. Foi ensinada a ser para os outros, sem aprender a ser para si. O sonho de ser escritora ou professora perdeu-se no tempo. Na trama, ela relembra sua vida através de fotos e escritos de sua autoria, tendo consciência de que algo ficou para trás. Em seus relatos, Dona Cecília também aborda a depressão presente na velhice, sem abrir mão de desejar ser amada algum dia, pelo menos um “pouquinho, já seria o bastante”. Nessa segunda parte da narrativa, em meio aos planos em que Dona Cecília aparece, estão lá duas tartarugas. Esses animais, que à primeira vista podem passar despercebidos aos olhos dos espectadores menos atentos, carregam em si uma simbologia tão ou mais interessante quanto o próprio azul. Para o xamanismo, esse ser (cágado ou tartaruga), representa a sabedoria universal, uma força ancestral carregada de ensinamentos e longevidade.

Ao voltarmos nosso olhar para a construção da singeleza de cuidados e minúcias presentes nesta obra, somos capazes de reparar a beleza simbólica e real em “Benção”, a começar pelo título que dá nome ao filme, bastante significativo para filhos, netos, alagoanos, enfim, humanos. Benção se estende aos mais diversos corações.

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