Texto: Aqui onde tudo acaba (dir. Cláudia Cárdenas e Juce Filho)

Aqui onde tudo acaba é um filme experimental realizado em 16 mm, resultado de uma vivência com os Laklãnõ/Xokleng da Aldeia Bugio em 2022. Conta com atuação de Nandia Patté e Acir Caile Pripra, e participação do grupo escolar da Aldeia Bugio. Conta com roteiro de Cláudia Cárdenas e Acir Caile Pripra, montagem de Rafael Schlichting, e direção Cláudia Cárdenas e Juce Filho.

Entre as seleções em Mostras e Festivais nacionais e internacionais que já coleciona, também está a seleção na 27ª Mostra de Cinema de Tiradentes, através da qual foi exibido presencialmente e disponibilizado on-line, como parte da série 1 da Mostra Panorama.

Enquanto as imagens vão sendo coladas, se fundindo ou se sobrepondo, a narrativa nos guia a conectar o que nos chega como informação objetiva ou subjetiva, pelas imagens, ou pelas cantorias e narrações, num mergulho na cosmovisão dos Laklãnõ/Xokleng apresentado em Aqui onde tudo acaba.

A linguagem visual, em boa parte das imagens mais subjetiva do que objetiva, apresentada por este filme transborda tanto a cultura e ancestralidade indígena quanto envolve pela textura dos frames em 16 mm, na atmosfera criada a partir do registro de imagens em película. Apresenta trocas entre o fictício e o real a partir dos posicionamentos de câmera, pela construção da fotografia em sépia e narrativa audiovisual composta. 

Foram responsáveis pela operação de câmeras 16 mm e captação de som: Acir Caile Pripra, Heuller Kae Teie Pripra, Jhenniffwe Kailanny Vaicá Martins, Ketlly Kayane Vam Pripra de Almeida, Kevyly Karyany Vaica Pripra de Almeida, Lucas Daniel Tchuvai da Silva Indili e Martins Patte.

Quando assistimos a um filme tendemos a imaginar que vemos a visão registrada por uma única pessoa, pois essa ainda é a prática mais comum, sendo menos corriqueiro em casos de construção coletiva, como este. A coletividade de autoria das imagens não é uma característica que se reconhece apenas ao assistir um filme, a mim só foi compreensível neste caso após ver as pessoas autoras nos créditos. No entanto, me permitiu ver o filme de outra forma, como uma vivência que colocou uma câmera 16 mm, talvez pela primeira vez na mão de várias pessoas de uma mesma comunidade indígena, e as estimulou a registrar a sua aldeia.

Uma iniciativa que não é nova, considerando a existência de projetos como Vídeo nas aldeias com décadas de atuação, entre outros. Mas segue sendo capaz de possibilitar imagens potentes, viabilizar registros da cultura e memória indígena, e dar visibilidade a narrativas (tanto a indígena quanto a experimental) e modo de fazer cinema que merece mais espaço e reconhecimento.

Print de cena do filme Aqui onde tudo acaba com Nandia Patté

A cena de abertura é composta de cenas que podem lembrar imagens de películas com defeito, ou imagens desconexas, que depois são observadas como partes de grandes desenhos feitos num rolo de película que um dos personagem apresenta para a câmera. Assim Aqui onde tudo acaba faz referência às primeiras experimentações de animações, que foram feitas a partir de interferência artesanal em películas. 

Em outra cena uma jovem indígena é filmada segurando e apontando uma outra câmera 16 mm para a câmera, o que pode ser visto como uma conexão com uma cena clássica reproduzida, consciente ou inconscientemente, em inúmeros filmes, e que se conecta com a cena do filme O homem com uma câmera (dir. Dziga Vertov, 1929), referência do cinema documental e experimental.

A cena de abertura, que mencionei anteriormente, é narrada por Acir Caile Pripra que compartilha sobre a forma como os homens foram gerados segundo seus avós o contaram. Este é um dos momentos do filme narrado por Acir, que também compartilha sobre a luta pela preservação dos povos e da terra Laklãnõ/Xokleng, e convida os amigos dos povos originários para lutar e defender os territórios indígenas.

A participação de Nandia Patté é breve, mas impactante, ela fala sobre cura, pede as plantas que sejam cura para as doenças, e com seu canto distribui acolhimento e esperança.

É um filme que pode ser desmerecido se for visto a partir da perspectiva convencional (ao assistir a primeira vez, estranhei, a partir da segunda me conectei), mas que a partir da perspectiva experimental é recheado de poesia e detalhes para serem apreciados. Em sua sinopse informa que  esta obra é fruto de uma partilha de saberes realizada na Aldeia Bugio, em todos os estágios de filmagens em 16mm, revelação botânica e captação sonora de modo coletivo. Destaco em particular estas informações, pois reconheço a relevância desta iniciativa e sigo curiosa para saber mais sobre esta vivência e seus processos.

Sobre Larissa Lisboa
É coidealizadora e gestora do Alagoar, compõe a equipe do Fuxico de Cinema e do Festival Alagoanes. Contemplada no Prêmio Vera Arruda com o Webinário: Cultura e Cinema. Pesquisadora, artista visual, diretora e montadora de filmes, entre eles: Cia do Chapéu, Outro Mar e Meu Lugar. Tem experiência em produção de ações formativas, curadoria, mediação de exibições de filmes e em ministrar oficinas em audiovisual e curadoria. Atuou como analista em audiovisual do Sesc Alagoas (2012 à 2020). Atua como parecerista de editais de incentivo à cultura. Possui graduação em Jornalismo (UFAL) e especialização em Tecnologias Web para negócios (CESMAC).

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