Texto: Chico Torres
BEM NO FUNDO DE SI
Bem no fundo das retinas é estar, pacientemente, bem no fundo das lembranças. Não há lembrança que não seja também esquecimento, ruína, registro apaixonado da vida que se foi. Todo passado é discurso e, por isso, todo passado está carregado daquilo que se perdeu. O que se registra é o encontro com uma vida subterrânea que se esvai, mas que agora, pelo gesto criador, eterniza-se para o mundo.
Bem no fundo das retinas é um debruçar-se paciente, um deixar-se vagar pelo passado, uma reverência a tudo isso que se apresenta gasto, errático, frágil, mas que tem o peso incomensurável do tempo, um deus que exige respeito. E se no agora se está no limiar da existência, em seus tentáculos temporais há o registro de sua completude: Rolleiflex, fotografias como presença do impossível desbotamento, e, sobretudo, a completude da vida através do ato da palavra, através do maior registro fotográfico que nenhum ser humano é capaz de criar: a lembrança e a imaginação. O passado na voz como fotografias sonoras, a revelação das imagens mentais só acessíveis àquele que rememora.
Bem no fundo das retinas é uma cartografia do corpo e da alma, o registro de uma criança que se vê espantada diante daquilo que sempre esteve à sua frente. E, à medida que esta criança olha para trás, explorando os filamentos de vestígios no presente, constitui o seu futuro. O gesto criador revela um processo de aprendizado e amadurecimento diante da experiência do registro. Bem no fundo das retinas é sobre como se pode amar o passado para se construir a poesia do futuro.
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