Texto: Larissa Lisboa
Invisto o meu tempo na pesquisa do audiovisual alagoano, e isso pode parecer simples, mas não é, principalmente ao lembrar do provérbio de Benjamin Franklin: “Tempo é dinheiro”. Poderia questionar, portanto, se seria o melhor investimento que eu poderia fazer do meu tempo e chegar a conclusão de que provavelmente não é.
Resumir ao diagnóstico de que investir tempo e/ou recursos em pesquisa não é um bom empreendimento, indica muitas coisas sobre quem acredita neste ponto de vista, mais até do que a pessoa pode querer ou ter noção. Também pode indicar que a pessoa vai ou não se abrir para este texto.
Aprendi a gostar de pesquisa na prática, ao poder me debruçar enquanto universitária sobre as informações que colhi para compor o Catálogo da Produção Audiovisual Alagoana que apresentei como meu Trabalho de Conclusão de Curso. Uma composição que me deu realização quando conclui aquele processo, que ganha mais valor com o tempo, que segue me realizando e me permitiu abrir muito mais processos do que eu ousei sonhar. Fui aprendendo sobre a minha relação com a pesquisa, também nesses sete anos em que gerencio o Alagoar, pois fui percebendo e reconhecendo que investir nela com foco no audiovisual alagoano era uma necessidade minha e coletiva, sistematicamente negligenciada, e que mesmo que ela me custe cada vez preços mais altos, realizá-la também é uma forma de investir na minha transformação profissional e pessoal.
Fui visitada várias vezes no último ano após vivenciar os editais da Aldir Blanc pela necessidade de analisar, refletir e dialogar sobre editais, também sobre a necessidade de visibilizar o quanto os agentes culturais alagoanos são prejudicados diante da ausência de diálogo sistemático com os gestores municipais e estaduais, assim como o quanto impacta não ter acesso a um mapeamento das pessoas inscritas e selecionadas em editais. (Recentemente cheguei a pensar em criar um financiamento coletivo para tentar desenvolver uma pesquisa independente que pudesse se propor a ser um mapeamento cultural, mas retrocedi por questionar a viabilidade.)
Há menos de um mês circulou informalmente a informação de que a Secretaria de Estado da Cultura de Alagoas (SECULT Alagoas) lançaria um novo edital de audiovisual, e meus gatilhos enlouqueceram, em especial porque eu não tinha conseguido ainda ter fôlego para analisar os últimos editais de audiovisual como eu gostaria, como também porque mais uma vez se formularia um edital sem um tempo mínimo para pesquisa e maturação.
Parece uma coisa insana, diante do que foi vivido e continuamente repetido em 12 anos de editais de incentivo ao audiovisual em Alagoas, cogitar que possa ser feito um trabalho de elaborar um edital com tempo, consultando formatos de editais realizados, compreendendo o que funcionaria melhor: ter faixas com valores fixos (que tem sido a regra), ou possibilitar que houvesse opções de valores das propostas (o que acontece para curtas nos últimos anos), ou até mesmo dar opções de valores e deixar para o proponente definir o que irá propor (só vi em Arapiraca pela Aldir Blanc). Abrir o esboço para as representações (e os agente culturais) que tiverem em sintonia com o que o edital pretende incentivar, ouvir as reivindicações, responder às reivindicações, encaminhar o edital para revisão e publicá-lo, para ser uma realidade utópica.
Lembro de olhar para os dezessete editais lançados pela Aldir Blanc em 2020 incrédula, e me perguntar em quais condições as pessoas responsáveis por eles os tinham elaborado, e quantas pessoas os teriam elaborado, informações que eu nem sei como obter. E a quais adiciono: são pessoas externas ou funcionários da SECULT Alagoas que elaboram os editais? Quanto tempo se dá para elaborar um edital?
Até onde me consta a prática é lançar editais sem apresentar um esboço deles para as representações das linguagens, e isso gera consequências, entre elas retrabalho para as pessoas que acessam o edital, pois se não buscarem checar por conta própria por correções ou para tirar dúvidas podem ter mais chance de não serem habilitadas. (O V Prêmio de Incentivo à Produção Audiovisual em Alagoas teve duas correções se não me engano, e nenhuma dela efetivamente melhorou a compreensão geral para as pessoas que leram o edital.)
Ler um edital nunca é simples, já é um obstáculo que desestimula e/ou impede que um grande volume de pessoas concorram, submetam projetos ou façam suas inscrições/cadastros. E se as pessoas que pegam um edital assim que foi lançado e já sentem dificuldade ainda são submetidas a novas versões do mesmo edital que geram ainda mais dúvidas, como podem se manter estimuladas?
Numa pesquisa superficial sobre política cultural fui bater no Art. 215 da Constituição Federal, e achei que seria interessante colá-lo aqui:
Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.
- 1º O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional.
- 2º A lei disporá sobre a fixação de datas comemorativas de alta significação para os diferentes segmentos étnicos nacionais.
- 3º A lei estabelecerá o Plano Nacional de Cultura, de duração plurianual, visando ao desenvolvimento cultural do País e à integração das ações do poder público que conduzem à: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 48, de 2005)
I defesa e valorização do patrimônio cultural brasileiro; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 48, de 2005)
II produção, promoção e difusão de bens culturais; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 48, de 2005)
III formação de pessoal qualificado para a gestão da cultura em suas múltiplas dimensões; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 48, de 2005)
IV democratização do acesso aos bens de cultura; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 48, de 2005)
V valorização da diversidade étnica e regional. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 48, de 2005)
Compreendo que é possível afirmar que se preza por praticar tudo o que é previsto no Art. 215, contudo quando se observa as reivindicações dos agentes culturais não atendidas e repetidamente invisibilizadas, quando se faz um apanhado informal sobre a baixíssima diversidade contempladas por muitos editais, quando se atenta que não houve nenhuma ação formativa para estimular as pessoas a elaborarem os seus projetos nos últimos anos, e se estiver minimamente disposto a repensar o que tem sido feito, há de se buscar questionar a facilidade com que se prega que se faz o que está previsto neste artigo da Constituição e o que pode ser feito para visibilizar as questões aqui mencionadas e tantas outras.
É preciso refutar a afirmação de que faz o investimento possível em valorização da diversidade étnica e regional, ainda mais quando há a insistência em repassar mais recursos para contratações diretas do que para editais culturais. Assim como quando não se preza por mensurar e divulgar o percentual investido em diversidade étnica e regional. Tendo como referências os últimos editais realizados em audiovisual questiono: Houve avaliação de como foi a aplicação das cotas no Prêmio Elinaldo Barros (2020) realizado via Lei Aldir Blanc? No V Prêmio de Incentivo à Produção Audiovisual em Alagoas (2021) quantos projetos foram contemplados por cota?
Talvez se tivesse a prática de avaliar suas ações a SECULT Alagoas poderia ter evitado desestimular mais uma vez a autodeclaração no VI Prêmio de Incentivo à Produção Audiovisual em Alagoas Pedro da Rocha (2022). Pois o cenário criado segundo o texto do edital (abaixo), publicado no Diário Oficial do Estado de Alagoas em 01 de julho de 2022, as pessoas que se declararem segundo a sua etnia ou região, estarão optando a concorrer apenas a 30% das vagas do edital. (Se eu entendi corretamente porque o texto inclusive poderia estar melhor elaborado.)
4.5. O processo de seleção deverá obedecer os seguintes critérios:
– Cota de INTERIOR: Deverá preencher os requisitos
do inciso VIII, do item 4.4 deste edital;
- a) Como cota do INTERIOR, a comissão deverá observar o percentual de, NO MÍNIMO, 30% (trinta por cento) de projetos contemplados por categoria que se adequem aos critérios do inciso VIII, do item 4.4. deste edital.
- 1º. As reservas de vagas funcionam de maneira interseccional. Ou seja: se um proponente selecionado possui autodeclaração de cor, raça e regional, sua presença soma-se ao percentual de todas as cotas.
A presença de cotas nos editais visa ou deveria visar a reparação histórica, visto que pessoas negras, indígenas, da comunidade LGBTQIAPN+, assim como as mulheres ainda são invisibilizadas dentro e fora dos editais. Assim as cotas deveriam estimular essas pessoas a se autodeclararem para serem visibilizadas pelo edital. Uma vez que se trata de um edital estadual e que o número de projetos contemplados com pessoas jurídicas do interior foi reduzido nos dois últimos editais, a região também está inserida como critério de cota. Contudo da forma que está proposto condiciona os proponentes a concorrerem a 70% das vagas caso não se autodeclararem ou 30% se autodeclararem. Para que efetivamente os 30% fosse o mínimo, a autodeclaração não deveria funcionar apenas dentro dos 30%, e a cota não deveria estar restrita a este percentual também. Além de desistimular a autodeclaração, desencoraja o projeto que tiver origem em cidade do interior a utilizar um CNPJ da sua localidade.
Enquanto parecerista de editais reflito pessoalmente sobre como a minha análise pode contemplar projetos a partir da presença de pessoas negras, indígenas, da comunidade LGBTQIAPN+, mulheres, e de localidades descentralizadas, contudo no processo de análise o que eu posso fazer é delimitado pela forma como o edital orienta a pontuação, e se ele restringe a quantidade de projetos que podem ser contemplados em seus recortes.
Ao analisar por exemplo uma proposta do VI Prêmio de Incentivo à Produção Audiovisual em Alagoas Pedro da Rocha (2022) que tenha pontuação suficiente para ser contemplado independente da cota, os pareceristas estariam obrigados a apenas contemplar esse projeto por ser cotista, desmerecendo que além de ser cotista o projeto provou ter mérito suficiente para ser aprovado nos 70% de “ampla concorrência”. Quando as pessoas que atuarem como pareceristas poderiam, caso o edital não estivesse restringindo a diversidade a cota, contemplar os projetos que desejarem destacar e que apresentem pontuação além de autodeclarações, e os que não tiverem pontuações competitivas mas também possam ser escolhidos no 30% que priorizam as pessoas autodeclaradas.
Pontuo também uma questão que ainda não vi ser pautada, Alagoas não pratica credenciamento de pareceristas, e este também é um investimento nos agentes culturais, e uma forma de ampliar e aprimorar o processo de seleção destes profissionais junto ao edital local também. (Atualmente as contratações são diretas, e o acesso depende do acompanhamento do Diário Oficial.)
Caso você tenha se permitido chegar até aqui, expresso a minha gratidão, gostaria de ter podido construir este texto com mais tempo, mas diante da coleção de gatilhos e da limitação (de saúde mental e financeira) que ainda me encontro, e que me privou de investir nas análises dos editais anteriores, este texto foi o possível para ao menos expressar algumas questões mesmo que precariamente.
Acesse outros textos que fiz sobre editais:
Panorama do incentivo público à produção audiovisual em Alagoas
Era uma vez, um Edital de Incentivo à Produção Audiovisual em Alagoas
Para reconhecer filmes alagoanos realizados com incentivo público local que representaram o estado pelo Brasil e pelo mundo
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