Era uma vez, um Edital de Incentivo à Produção Audiovisual em Alagoas

Texto: Larissa Lisboa

Retomo aqui a pauta do incentivo público engasgada com informações recentes de repasses de milhões por contratação direta da gestão da prefeitura de Maceió e do governo de Alagoas, e com o renovado desinteresse de reconhecer, investir e aprimorar as ferramentas das políticas públicas por esses e tantos outros gestores. 

Já havia revisitado a pauta sobre o repasse de recursos públicos no texto publicado em setembro de 2021, Apontamentos sobre a produção de filmes de longa duração em Alagoas, em que me debrucei entre outras questões sobre o incentivo público para filmes de longa duração, e que fora antecedido em 2019 por outro texto de minha autoria, no qual foram reunidos informações e reflexões a respeito de como estava sendo escrita a trajetória de editais de incentivo em Alagoas, Panorama do incentivo público à produção audiovisual em Alagoas.

Não acredito que se faz obrigatória a leitura de ambos os textos mencionados para a compreensão deste que escrevo agora, apenas os menciono para relembrar e apontar que estão conectados, e que algumas informações que posso ter suprimido aqui podem estar detalhadas em um desses dois textos.

Mesmo ainda sem acesso a dados e mensurações que indiquem o perfil das pessoas que fizeram inscrição nos editais realizados pelos governos municipais (Maceió e Arapiraca) e estadual em Alagoas entre 2010 e 2021, será possível trazer aqui outros dados que expressam e reafirmam que a realização de editais de incentivo é uma prática que democratiza a distribuição de recursos, e que a mesma apresenta características estruturais que a distanciam de uma contratação direta (também conhecida popularmente como balcão).

Através dos editais muitas pessoas que seriam desmerecidas pelo mercado por seu gênero, etnia, orientação sexual, idade, local de origem ou simplesmente por não se provarem na medida que as instituições exigem, podem submeter seus projetos. Em casos de editais com política afirmativa, pode ser conferida pontuação para mulheres, pessoas negras, povos originários, pessoas que residem fora da capital, assim como pode ser previsto pelos editais que haverá um percentual ou quantidade mínima de projetos selecionados com o objetivo de reparação histórica, em virtude da concentração de homens brancos cisgênero entre os contemplados de boa parte dos editais realizados no Brasil.

Abrir e divulgar inscrições para seleções de projetos culturais possibilita que os gestores não apenas democratizem a distribuição dos recursos públicos – uma vez que não caberá a eles contratarem de forma direta -, mas também que atendam demandas dos trabalhadores da cultura seja pelas ações previstas no certame, ou pela amplitude que ficou impressa pela distribuição de recursos e diversificação das pessoas contratadas pelos editais nos últimos anos. A realização sistemática de editais estimula a economia criativa, além de divulgar e reconhecer as práticas e produções artísticas locais. 

Quando há investimento em ações formativas para capacitar as pessoas a elaborarem projetos, há também o aumento de pessoas que se sintam empoderadas a elaborar projetos e os submeterem aos editais públicos e privados.

Volto a partir daqui o foco deste texto-provocação para a incoerência apresentada quando gestores públicos optam por destinar valores volumosos para contratações diretas sem aplicar valores equivalentes através de editais de incentivo em Alagoas, ou em qualquer outro lugar.

Para tanto, elenco algumas informações sobre os recursos destinados a filmes de longa duração nos editais de incentivo realizados em Alagoas:

  • Prêmio Guilherme Rogato (2015), o primeiro realizado no estado com recursos suplementados pelo Fundo Setorial do Audiovisual, via Programa de Apoio ao Desenvolvimento do Audiovisual Brasileiro – PRODAV/ANCINE, contemplou 01 projeto de longa-metragem de R$ 600.000,00
  • IV Prêmio de Incentivo à Produção Audiovisual em Alagoas (2016), via Programa de Apoio ao Desenvolvimento do Audiovisual Brasileiro – PRODAV/ANCINE, contemplou 02 projetos de longas-metragens de R$ 700.000,00.
  • Edital do Audiovisual de Maceió (2019) que também conta com a suplementação pelo Fundo Setorial do Audiovisual via Programa de Apoio ao Desenvolvimento do Audiovisual Brasileiro – PRODAV/ANCINE, contemplou 03 projetos de longas-metragens de R$ 1.200.00,00.
  • V Prêmio de Incentivo à Produção Audiovisual em Alagoas (2021), via Programa de Apoio ao Desenvolvimento do Audiovisual Brasileiro – PRODAV/ANCINE, contemplou 03 projetos de longas-metragens de R$ 1.200.00,00.

Portanto, foi  destinado ao incentivo de nove projetos de longas-metragens R$ 9.200.000,00 em cinco anos, a partir de editais realizados pela prefeitura de Maceió via Fundação Municipal de Ação Cultural e Governo do Estado de Alagoas via Secretaria de Estado da Cultural de Alagoas.

Print do Edital Brasília Multicultural II (2022)

Valor que equivocadamente pode ser visto como muito alto e que para a realidade do setor audiovisual está baixo, ao ter como referência por exemplo que em 2021 em um único edital o governo do estado do Distrito Federal via Secretaria de Cultura do Distrito Federal pelo Fundo de Apoio à Cultura (FAC) destinou R$ 22.000.000,00 para a realização de 16 projetos de longas-metragens. E pode ser observado como ainda mais baixo se a referência for a média de orçamentos e custos reais praticados pelas produtoras brasileiras de audiovisual ou a tabela de referência do Sindicato Interestadual dos trabalhadores na indústria cinematográfica e do audiovisual (STIC).

É importante frisar que apenas um percentual dos R$ 9.200.000,00 investidos a partir dos recursos da Prefeitura de Maceió ou Governo do Estado foi proveniente dos mesmos, pois a menção nestes editais da Agência Nacional de Cinema (ANCINE) implica que em cada um deles o valor destinado pela gestão municipal ou estadual estava sendo também arcado pela ANCINE, que multiplicou o valor em casos dando o dobro que foi investido pelo proponente local, e em outros caso mais recentes aplicando o quíntuplo do valor (veja a lista ao final deste texto).

Por exemplo, em 2021 o Governo de Alagoas via SECULT entrou com o aporte de R$ 1.000.000,00 enquanto a ANCINE está comprometida a custear pelo Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) R$ 6.825.000,00, e foi assim que o edital V Prêmio de Incentivo à Produção Audiovisual em Alagoas alcançou R$ 7.825.000,00.

Print do V Prêmio de Incentivo à Produção Audiovisual em Alagoas

E se você não sabia o quanto poderia ser investido no audiovisual local com o aporte de 7 milhões de reais, fica o exemplo deste edital que está incentivando 22 filmes, 01 série e 4 cursos de formação. Listo também os demais editais resumidamente ao final deste texto que também são exemplos de aplicação de aportes.

Ainda com foco no  V Prêmio de Incentivo à Produção Audiovisual em Alagoas (2021), listo a seguir o total de projetos habilitados. Como não foi divulgado pela SECULT, ressalvo que minha conta a partir do que foi publicado no Diário Oficial pode estar incompleta.

CURTA-METRAGEM A: 9 inscritos

CURTA-METRAGEM B: 22 inscritos

CURTA-METRAGEM C: 45 inscritos

LONGA-METRAGEM – 18 inscritos

TELEFILME – 4 inscritos

PRODUÇÃO DE OBRA SERIADA – 4 inscritos

PROJETO DE CURSOS DE FORMAÇÃO – 9 inscritos (Plataforma de cursos 01 – 2 inscritos; Plataforma de Cursos 02 – 2 inscritos; Plataforma de Cursos 03 – 2 inscritos; Plataforma de Cursos 04 – 3 inscritos)

Foram 16 projetos de curtas-metragens premiados entre 76 inscritos, 3 longas-metragens premiados entre 18 inscritos, 3 telefilmes premiados entre 4 inscritos, 1 obra seriada contemplada entre 4 inscritas e 4 cursos de formação premiados entre 9 inscritos. Você tem alguma dúvida de que se fosse realizado um novo Edital de Incentivo à Produção Audiovisual em Alagoas em 2022 haveriam projetos para serem inscritos? Pois não tenha.

Um fator que ficou evidenciado na lista de selecionados deste edital foi a ausência de mulheres na direção dos três projetos de filmes contemplados em longa-metragem, diante do reconhecimento informal dos nomes dos contemplados como masculinos. Ouso também mensurar uma estimativa pessoal, com base na pesquisa que desenvolvo, a respeito de quantos projetos entre os contemplados são de diretores que não haviam sido contemplados em outros editais locais, estimo que 75% dos contemplados como diretores neste edital, foram selecionados pela primeira vez num edital de audiovisual local, o que reforça a importância dos editais de incentivo público para o acesso das pessoas à prática da produção artística, geração de empregos diretos e indiretos.

E se houver dúvida sobre o formato do edital, isso pode ser justamente uma oportunidade para dar voz aos trabalhadores da cultura alagoana que podem sugerir como distribuir 7 milhões num edital de audiovisual, como também sobre a necessidade de destinar 7 milhões para cada uma das tantas outras linguagens artísticas. 

Ao compreender que o Governo de Alagoas e Prefeitura de Maceió são capazes de utilizar muitos milhões nestes últimos dias para contratação direta sem qualquer previsão de editais culturais com aportes equivalentes a estes em 2022, como seria possível ter um sentimento diferente ao sentimento de perda e luto pela ausência de investimentos repassados de forma democrática para os trabalhadores da cultura alagoana?

Caso tivéssemos dados sobre gênero, etnia, orientação sexual, idade, local de origem das pessoas que se inscreveram nos editais culturais em Alagoas, ou pelo menos das que foram aprovadas, seria possível dimensionar em detalhes a diversidade que os editais alcançam e invisibilizam, o que permitiria inclusive direcionar investimentos em ações formativas para estimular a participação do perfil de pessoas que não foram habilitadas, que se quer fizeram inscrição ou que não foram contempladas.

Vale lembrar que eu sou uma pesquisadora independente e colhi todos esses dados a partir dos editais ou em publicações oficiais da SECULT Alagoas, que tem todos esses dados e tantos outros, mas parece preferir ignorá-los.

Levantamento dos valores investidos:

2010 – 5 curtas-metragens – total: R$ 75.000,00 SECULT
2011 – 5 curtas-metragens – total: R$ 100.000,00 SECULT
2013 – 5 curtas-metragens – total: R$ 150.000,00 SECULT
2013 – 5 curtas-metragens – total: R$ 150.000,00 FMAC
2015 – 6 curtas-metragens e 1 longa-metragem – total: R$ 900.000,00, sendo R$ 300.000,00 da FMAC e R$ 600.000,00 da ANCINE
2016 – 17 curtas-metragens, 2 longas-metragens e 2 telefilmes – total: R$ 3.003.000,00, sendo R$ 1.003.000,00 da SECULT e R$ 2.000.000,00 da ANCINE
2018 – 3 curtas-metragens – total: R$ 30.000,00 Prefeitura Municipal de Arapiraca
2019 – 8 curtas-metragens, 2 telefilmes e 2 formações – total: R$ 1.050.000,00, sendo 150.000,00 da Prefeitura Municipal de Arapiraca e R$ 900.000,00 da ANCINE
2019 – 12 curtas-metragens, 3 longas-metragens, 3 telefilmes, 3 festivais, 4 capacitações e 8 cineclubes – total: R$ 6.000.000,00, sendo R$ 1.000.000,00 da FMAC e R$ 5.000.000,00 da ANCINE
2021 – 16 curtas-metragens, 3 longas-metragens, 3 telefilmes, 01 série e 4 cursos de formação – total: R$ 7.825.000,00 sendo R$ 1.000.000,00 da SECULT e R$ 6.825.000,00

Sobre Larissa Lisboa
É coidealizadora e gestora do Alagoar, compõe a equipe do Fuxico de Cinema e do Festival Alagoanes. Contemplada no Prêmio Vera Arruda com o Webinário: Cultura e Cinema. Pesquisadora, artista visual, diretora e montadora de filmes, entre eles: Cia do Chapéu, Outro Mar e Meu Lugar. Tem experiência em produção de ações formativas, curadoria, mediação de exibições de filmes e em ministrar oficinas em audiovisual e curadoria. Atuou como analista em audiovisual do Sesc Alagoas (2012 à 2020). Atua como parecerista de editais de incentivo à cultura. Possui graduação em Jornalismo (UFAL) e especialização em Tecnologias Web para negócios (CESMAC).

Be the first to comment

Leave a Reply

Seu e-mail não será divulgado


*