Cine Fialho: Morcego Negro (dir. Chaim Litewski e Cleisson Vidal)

Parceria Cine Fialho. Texto: Marco Fialho. Revisão: Larissa Lisboa.

Morcego negro resgata um dos momentos mais bizarros da história política brasileira, a passagem meteórica e avassaladora do empresário PC Farias pelo governo Collor de Mello, lá pelo início dos anos 1990. Uma aventura quixotesca, que nasceu nas Alagoas, passou por Brasília e terminou nas mais obscuras páginas policiais.

Em Morcego Negro, a montagem impressiona por encadear as fases da vida de PC Farias aos depoimentos de pessoas que conviveram com ele, sem esquecer de incluir as memórias que pululam de arquivos audiovisuais e fotográficos da família e amigos. A história é contada seguindo a cronologia dos fatos, o que garante uma boa atenção do público ao filme. Alguns momentos o documentário é tomado pela comédia, muito dada pelo inusitado que foi a trajetória desse personagem, que mesmo vindo de uma camada financeira mediana, ganhou milhões, além de conquistar uma influência política em um momento em que as maracutaias se avolumaram no país. Parecia não se ter limites para a prática das falcatruas. Era como se a novela “Vale Tudo”, de 1988, não houvesse acabado, que sua continuação acontecia dentro da política brasileira, em uma saga familiar das mais sinistras da história, e olha que Bolsonaro sequer sonhava ainda em alcançar o cargo máximo do país. Tudo leva a crer, que há um Brasil que volta e meia precisa chafurdar na lama da política e duvidar dos limites da razoabilidade.

O que esse documentário faz é nos mostrar um espelho em que a imagem vista é cruel, de um país recém-saído de uma ditadura militar e que carrega os resquícios dessa época ainda próxima (bom lembrar que a ditadura militar acabou oficialmente em 1985, mas deixou muitas e muitas sequelas, vícios políticos e corrupção deslavada). Morcego negro tem passagens criativas, em especial quando mescla músicas populares do período com Vivaldi e Mozart, que segundo alguns depoimentos, eram as prediletas de PC Farias, o que mais uma vez salienta a bizarrice desse momento político e do protagonista.

Um dos méritos do filme de Chaim e Cleisson é a sua pesquisa de imagem exaustiva que não foge das discussões mais delicadas, como a da morte de PC Farias, sua ex-esposa e a namorada da época. Os diretores também buscam depoimentos atuais para tentar dar novos ares, tanto para os fatos quanto para trazer outras opiniões sobre o personagem. Não há ousadia na forma narrativa do filme, o que de certo é compreensível, afinal o fundamental é trazer à luz, para as gerações que não viveram à época, fatos sobre uma história real que parece extraída do mais criativo romance policial. Aqui, a realidade lembra mais uma ficção daquelas bem absurdas.

O documentário traz depoimentos tão bem capturados que parecem ter sido registrados à parte, em uma espécie de narração em voz over previamente escrita. Embora Morcego negro não esconda a face didática e televisiva de narrar a história, é daqueles documentários que conseguem prender a atenção do espectador durante os longos 135 minutos de duração.

Se em 2023 passamos por mais uma tentativa de golpe de estado, que mostra o quanto a democracia brasileira ainda tem um longo percurso para amadurecer, os fatos abordados em Morcego negro nos fazem lembrar que a eleição de Collor de Mello foi o primeiro passo em falso do nosso processo de redemocratização. Foi a nossa primeira eleição direta para presidente depois de mais de 30 anos de espera e o resultado revelou uma faceta nada otimista para a democracia brasileira, por mostrar o quão corroída estava a sociedade depois do obscurantismo dos militares.

Em Maceió o filme está na programação do Centro Cultural Arte Pajuçara, em exibição junto ao curta alagoano Diafragma (dir. Robson Cavalcante).

Você pode acessar outros textos de Marco Fialho em Cine Fialho e acompanhar o trabalho dele pelo @cinefialho.

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