Perguntas: Larissa Lisboa. Respostas: Cíntia Domit Bittar. Revisão: Larissa Lisboa. Imagens: Daniel Becker
A produtora alagoana Aguda Cinema está realizando o II Sala de Roteiros, entre as ações previstas estão: Desvendando a direção de filmes com Cíntia Domit Bittar, Atuando no Cinema com Ale Tosi e Direção de Arte para Cinema com Vera Hamburger.
Esta será a primeira ação formativa com Cíntia Domit Bittar em Maceió-AL. Guiada pelo desejo de saber como estão os preparativos para a oficina e compartilhar sobre seu trabalho e trajetória que me propus a realizar esta entrevista.
Larissa Lisboa: Esta será sua primeira ação formativa em Maceió-AL, mas não é o seu primeiro contato com Alagoas. Como foi o seu contato com o Circuito Penedo de Cinema através da seleção dos seus filmes “Flecha Dourada” em 2017 e “Baile” em 2019?
Cíntia Domit Bittar: Fui a Penedo representando esses dois curtas que dirigi e também há outro curta nosso que participou, o “Apenas o que você precisa saber sobre mim”, aqui da Novelo Filmes, porém dirigido por minha sócia. A experiência foi linda em todos os anos que estivemos. Eu, particularmente, achei de suma importância a democratização de acesso e popularização do cinema por parte desse festival que é histórico. Além disso, há um clima muito acolhedor, tanto da cidade quanto do festival, que contribui muito para a interação entre nós, da realização, de nós com a comunidade de Penedo. Inclusive fiz amizade com a dona de um estabelecimento na cidade que falo até hoje e na vez que voltei nos encontramos como velhas amigas. Agora estamos com um filme da produtora novamente no festival, o curta-metragem infantil de animação NONNA. É um evento pelo qual temos muito carinho.
LL: Como foi o processo de elaboração do roteiro de Baile? E como foi atuar na direção e montagem dele?
CDB: Na época, primeiro semestre de 2018, eu estava forçando a mente pra escrever uma história infantil e feminista, pois havia um edital para produção de curta com público-alvo infanto-juvenil. Queria um enredo que desse conta de uma garota descobrir a importância da política e a existência das estruturas do Estado, bem como o impacto disso tudo na vida cotidiana.
Me veio em mente uma imagem que é rotineira em todas as casas legislativas, executivas e até de organizações da sociedade civil, que é a galeria dos ex-presidentes – geralmente homens brancos, de aparência burguesa, acima de 40 anos. Quando entrei na ALESC pela primeira vez foi o que mais me impactou. Então tentei puxar algum fio condutor e me veio a ideia dessa menina que faz um passeio escolar, visita a ALESC e se dá conta de muita coisa ali. Criei sua família, que eu já sabia que seria uma família só de mulheres. E quis que a profissão da mãe tivesse algo a ver com os retratos que ela vê na ALESC. Então foi um trabalho de conectar as pontas, criar o enredo propriamente dito.
Sobre dirigir e montar, eu comecei na profissão como montadora. Na verdade eu considero que quando nas funções roteiro, direção, montagem eu acabo exercendo uma função que é a de construtora da narrativa. Estou contando uma história a partir dessas três etapas e processos. Sendo que o olhar mais objetivo e de ligação entre planos, cenas e intenções dramáticas certamente me vem da montagem.
LL: Conta sobre a sua atuação em ações formativas, e qual a expectativa para a oficina Desvendando a direção de filmes?
CDB: Eu sempre gostei de compartilhar conteúdo, saberes. Quando universitária eu pensei em fazer mestrado e tudo mais, para lecionar na academia, o que acabei não concretizando pois desde que entrei pro mercado de trabalho de produção não saí mais e é difícil arrumar tempo e dedicação para voltar à sala de aula como aluna. Então quando tenho oportunidades de ministrar aulas, palestras, oficinas e afins eu me sinto realizada também. É algo que faço desde 2012 com mais intensidade, principalmente nas áreas de direção, roteiro, montagem, cinema de terror e políticas culturais. Quando recebi o convite para participar como ministrante dessa linda ação da AGUDA eu nem titubeei! Apenas pensei em qual a melhor maneira para contribuir. Acabamos chegando ao consenso de que seria muito massa compartilhar da minha experiência prática com a direção, até porque com os anos acabamos desenvolvendo nossas próprias percepções e métodos, para além do que está nos livros e manuais, não é mesmo? Pretendo compartilhar esses saberes proporcionando uma experiência de muita troca com a turma, em encontros descontraídos e cheios de informações. Até porque eu falo bastante, sou expansiva mesmo. Especialmente quando falo sobre um assunto que amo.
LL: Em sua oficina será compartilhado o estudo de caso do seu filme “Baile”, finalista do GP do Cinema Brasileiro e qualificado ao Oscar 2021 ao ganhar melhor curta no 60º FICCI, que circulou em inúmeras mostras e festivais internacionais. Quais foram os principais aprendizados que a distribuição, seleção e premiações de Baile lhe trouxeram?
CDB: Aqui na Novelo Filmes, com os curtas e os longas doc, nós mesmas cuidamos da estratégia de difusão. A primeira vez que fiz isso foi com o primeiro curta que produzi e dirigi profissionalmente, o “Qual Queijo Você Quer?, que circulou em festivais a partir de 2011. Ali eu não sabia muito e infelizmente não é algo explicado na faculdade. Instintivamente, pensei que o melhor seria começar com o maior do país, na época era Paulínia, pois se entrasse ali muitas portas se abririam. Esse curta foi selecionado e realmente fez uma linda carreira, com mais de 100 exibições em mostras e festivais e mais de 50 prêmios, entre eles o de melhor curta no Festival do Rio. Marcou, inclusive, a retomada do cinema catarinense por parte da crítica e do governo do estado. Ao longo da carreira, aprendi que cada projeto exige uma estratégia. É claro que é importante começar por um festival de destaque e que faça sentido para a obra, mas no caso de BAILE a urgência do tema abordado pesou bastante. Felizmente o Kinoforum – Fest. Int. de Curtas de São Paulo estava aberto na época de finalização. É um festival que gosto muito, que tenho anos de relacionamento. Muitas pessoas pensam que o melhor para um curta é entrar de primeira em festivais mistos, com longas na seleção. Mas estrear no Kinoforum é bom demais, pois é um espaço de circulação de diversos curadores de festivais internacionais muito importantes. Exibir o filme ali chamou a atenção do curador do Oberhausen, um dos principais e mais tradicionais/antigos festivais de curtas do mundo, onde o filme foi exibido. E ser exibido nesse, também chamou a atenção do Festival Int de Hong Kong, que acabou nos convidando. Ao mesmo tempo, novamente pela relevância do tema e comunicabilidade do filme, optamos por difundir simultaneamente em cineclubes, mostras escolares, ações de impacto social. Importante dizer que ao longo dos anos também temos construído um relacionamento muito importante com canais de TV que exibem curtas, por ex Canal Brasil, Canal Curta!, Prime Box, Arte 1, etc. Após exibições em salas, nossos curtas são licenciados para TV a cabo. Para mim, o cinema é aquilo que acontece quando o filme bate no peito de quem assiste. Por isso, é fundamental pensar na estratégia de difusão desde o início. Afinal, fazemos os filmes para serem exibidos.
LL: Em 2021 você atuou em consultoria de roteiro no 24º Lab CurtaCinema, Prêmio Cabíria + Cardume e 1º CurtaLab, como funciona no geral uma consultoria de roteiro? E o que você poderia compartilhar sobre essas vivências?
CDB: Além de realizadora, trabalhar com seleção de filmes para festivais, de projetos para editais e de consultoria especializada faz parte do meu dia a dia. Por estar em Santa Catarina, raramente eu era chamada. Porém a naturalização da videoconferência durante a pandemia da Covid-19 fez com que passassem a me chamar para participar online. Acho que isso foi muito importante, pois é fundamental ter mais pessoas de fora do eixo Rio-São Paulo nesse tipo de atividade. Fazer uma consultoria de roteiro requer muito conhecimento, bagagem de referências e sensibilidade. É fundamental entendermos que aquele roteiro não é nosso, em primeiro lugar. Compreender a vontade criativa de quem escreve – o estilo, o método – e respeitá-la é imprescindível para que possamos oferecer os melhores caminhos para o roteiro, bem como apontar o que realmente é um problema de dramaturgia ou de estrutura narrativa, trazendo luz para as soluções e dando autonomia para que a pessoa encontre caminhos mais potentes para a contação da história através da linguagem cinematográfica. Minha experiência como montadora contribui bastante para auxiliar nesse processo.
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Cíntia Domit Bittar (1986) é uma ativista e premiada cineasta brasileira atenta às questões sociais e políticas que estão no centro do debate contemporâneo. Formada em Cinema, iniciou carreira como montadora e fundou a Novelo Filmes em 2010, sediada em Florianópolis, onde vive. Desde 2011, suas obras têm presença constante em festivais como os nacionais Festival do Rio, Tiradentes, Gramado, Guarnicê, Vitória, CineBH, Goiânia, FAM, e internacionais como Oberhausen ISFF, Biarritz, Hong Kong IFF, Festival do Rio, Kinoforum, CurtaCinema Encounters, Brussels ISFF, entre outros. As obras também foram licenciadas para canais de TV como Canal Brasil, Arte 1, Canal Curta!, France TV, NBC Itália, History Channel. Seu curta mais recente, “BAILE” (2019), foi finalista do Grande Prêmio do Cinema Brasileiro e qualificado ao Oscar ao vencer o 60º FICCI – Fest. Int’l de Cine de Cartagena de Indias. Além de realizadora, integra comissões de seleção e júris em festivais e editais. Também atua como ministrante de cursos e oficinas na área do audiovisual. Integra a diretoria da API – Associação das Produtoras Independentes do Audiovisual Brasileiro e está vice-presidente do Santacine – Sind. da Ind. Audiovisual de SC.
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