Cobertura: Circuito Penedo de Cinema – 3º dia

Texto: Rosana Dias. Revisão: Larissa Lisboa. Imagem: Circuito Penedo de Cinema e divulgação.

Com exibição na Praça 12 abril o terceiro dia do Circuito Penedo de Cinema foi marcado por uma programação de diversidades. Segue aqui textos sobre o 10º Festival de Cinema Universitário de Alagoas. Os filmes ficarão disponíveis no site do Circuito (https://circuitopenedodecinema.com.br/) e na Praça 12 de Abril, em virtude do Cine São Francisco está interditado,  até o dia 29 de novembro.

Dois adolescentes em Brasília passando por uma semana escaldante, algo acontece nos céus e provoca mudanças na terra, as estrelas, satélites, planetas, e suas emoções à flor da pele em pleno Cerrado. Em Cão Maior, de Filipe Alves, a amizade entre Ícaro e João surge após a finalização de uma partida de futebol, como uma estrela no céu, você não percebe e quando menos espera tem algo mais brilhante ali.

Ícaro mora com seu pai, nas férias escolares divide seu tempo entre o futebol e videogames. Conhecer João torna seu tempo mais preenchido, eles dialogam sobre seus desejos após o término do ensino médio, ele quer conhecer melhor esse novo amigo, saber sobre sua família, onde morava, seus gostos.

João mora com sua mãe e gosta de olhar para o céu, de admirar as estrelas, conhecedor delas sente-se empolgado em falar a respeito com Ícaro, fala da vontade de estudar Engenharia, do gosto e aptidão por números, sabe se comunicar, é extrovertido, Ícaro é um rapaz tímido.

Em Cão Maior temos a junção das características desses jovens, o diretor nos leva à esperar que algo aconteça, o que virá na próxima cena? Como será o desenvolvimento dessa amizade? Como em um entardecer vemos as nuances dessa relação afetuosa, que vai ganhando luz.

Cão Maior (dir. Filipe Alves)

Paloma, de Alex Reis, animação que tem como narrativa a história de uma pomba frequentadora da Praça da Sé, São Paulo, após engolir um chip toma consciência de sua existência. Paloma anseia que as demais pombas tenham do mesmo modo a percepção que ela passa a ter da sociedade humana para o trato com a revoada.

Dentre esses questionamentos está a fala, Paloma passa a falar como os humanos, à medida que ela passa a assim se comunicar, sua comunicação com a revoada se torna falha, mas essa personagem quer transmitir suas inquietações aos seus, ela observa os movimentos repetitivos de suas amigas e amigos, mas ela não se vê mais realizando aquelas ações. O fato de comer restos de alimentos deixados pelos humanos causa profundo desconforto, ela quer sair dessa situação, convoca a revoada, mas ninguém a entende.

Alex Reis linka a figura de uma pomba, que está à margem da sociedade, se alimentando de restos de comida e brigando por isso com outros animais, com  a figura humana que mora na rua, vivenciando e sofrendo essas mesmas ações no seu cotidiano  nos grandes centros urbanos, seres invisibilizados.

Paloma | Trailer (2020) from Alex Reis on Vimeo.

Três histórias, cada uma com a sua força, relatos de mulheres que estão com algum familiar (homens) encarcerados. Em Correntes, de Charles do Santos, essas mulheres relatam sobre o contato anterior e o decorrer a esse processo.

Uma mãe fala sobre seu filho, da sua comida preferida e como o sistema carcerário no Brasil trata jovens infratores. De sua luta, força, angústia e sonho em poder receber seu filho de volta ao lar.

Uma esposa narra sua história com seu companheiro, condenado a 120 anos por assalto a bancos, questiona o sistema político, social, carcerário, sobre a construção de presídios e superlotação. Para ela esse investimento poderia ser realizado em escolas, investimento em educação e emprego.

Uma criança mora com sua mãe e padrasto, faz balé, ainda gosta de brincar com bonecas, mas falta algo. A presença paterna não há, há ausência, ela só queria um pai para buscá-la na escola, ela queria a presença, um futuro com o balé e seus familiares, ela quer união.

Entre essas mulheres há elos, não são somente seu filho, parceiro e pai que estão presos, algo também as aprisiona.

Correntes (dir. Charles do Santos)

Traçados, de Ruyeri Ribbeiro, filme do Estado do Pará, narra de forma poética sobre Leo (Miller Alcântara) , estudante que realizará sua primeira exposição, um jovem e sua descoberta no mundo da arte e enquanto indivíduo.

Leo mora com sua mãe (Tertuliana Lopes), ela demonstra grave preocupação com a vida do filho, a violência a deixa estarrecida, tem medo que seu filho seja mais um rapaz negro vítima de nossa sociedade. O cabelo grande de Leo a preocupa, o modo como ele se veste também, o filho tem hora pra chegar. Ele, como todo jovem de sua idade quer curtir a vida, namorar, beijar na boca, dar e receber afeto, não que ser mais um fetiche nesse sociedade branca que deseja saber como é um negro na cama.

Na busca de sua identidade enquanto homem negro e gay, Leo deixa aos cuidados de sua amiga Talita (Dalila Costa) a tarefa de fazer tranças em seu cabelo, tal fato causa decididas e profundas provocações na relação desse jovem com sua mãe e na sua construção identitária.

Colapsar (direção coletiva)

No centro de Maceió tem um corpo a vibrar, um corpo com outros corpos e corpas, as pessoas que ali passam questionam do que se trata, não sabem ao certo se é homem ou mulher, esse corpo que dança, para, e volta a se movimentar.

O que é arte? O que essa pessoa faz ali no centro da cidade, seria arte? alguém fala que é macumba, já viu de tudo, mas nunca viu macumba no centro da cidade. Colapsar, Direção Coletiva, é curta que tem na direção de fotografia, produção e montagem mulheres. É um documentário experimental. Aquele corpo que performa no meio da multidão no comércio de Maceió, na Capital alagoana, é um corpo/corpa de Reginaldo Oliveira, artista que há muito disponibilizou seu corpo para o Teatro e para a Dança. Cada movimento, cada passo dado no calçadão é consequência de anos de estudo sobre as potencialidades do corpo. Mas, como potencializar algo que é mistificado e renegado, o corpo feminino, o corpo de um gay afeminado, o corpo de uma mulher trans e de um homem trans? Reginaldo aborda em Colapsar essas inquietudes, ouvimos as falas dos transeuntes que questionam do que se trata a performance, e de quem se trata o artista.

Assim como Marina Abramovic, artista performática, que abordou a relação entre artista e plateia, há nesse processo experimental o observar da relação em Colapsar, Reginaldo dispõe seu corpo também por meio dessas falas, vozes que o cercam, desses pedestres que com ele realizam alguma interação. Sai da superficialidade e se aprofunda em assuntos como LGBTfobia, feminicídio e invisibilidade de corpos e corpas.

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Limbo, de Anna Gabriela Alves, rodado em preto e branco, aborda a história de Suelen (Mariana Campos) com seu pai (Douglas de Freitas), ela, estudante de Direito, ele, um homem que cuida da casa, com várias contas a pagar. Ela quer mudar a vida, a sociedade. Ela corre atrás de suas crenças.

A Faculdade na qual Suelen estuda encontra-se em constantes greves, as repressões sociais estão ao seu redor, garota pobre e preta que poderia ver no curso de Direito uma alternativa para ajudar e transformar a sociedade, mas o que Suelen vê é um emaranhado de injustiças, o que agrava sua insatisfação. Suelen corre contra o tempo, do tempo e para seu tempo, tem o desejo de mudança, ainda que seja por meios não ortodoxos.

Em Limbo, a diretora Anna Gabriela põe, de modo afetuoso, a relação de cumplicidade entre pai e filha, tanto a atriz Mariana Campos quanto Douglas de Freitas executam com maestria seus papéis. Destaque para a fotografia e montagem do curta.

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