Cobertura: Seguindo Todos os Protocolos (dir. Fábio Leal)

Texto: Leonardo A. Amorim. Revisão: Larissa Lisboa. Imagem: divulgação.

Seguindo Todos os Protocolos é um resultado esperado da filmografia de Fábio Leal após Reforma. Seu curta de maior sucesso foi engrandecido por prêmios e pela crítica devido a exposição que o diretor faz de si mesmo, colocando seu corpo em cena para falar de suas dores de maneira delicada. Ao mesmo tempo foi criticado, acusado de realizar filmes egoicos, o que soa como um questionamento sobre quais questões são interessantes o suficiente para serem mostradas. O que o diretor traz em seu novo longa, então, são as mesmas preocupações que já estiveram em seus curtas: a busca por saciar seus desejos através de contato e gozo, reflexões sobre afeto, autoestima e corpo, com um agravante pandêmico. Uma questão coletiva maior que o individual, mas isso é necessariamente o melhor caminho?

Francisco, interpretado pelo diretor Fábio Leal, está isolado em seu apartamento durante a pandemia do coronavírus. O que inicia a trama, o detonante, é um término por chamada de zoom depois que seu atual namorado Ronaldo, vivido por Marcus Curvelo, lhe fala que está transando com outras pessoas. Mas antes do término, Curvelo fala sobre como Francisco usou e objetificou seu corpo negro (algo que remete a críticas feitas ao O Porteiro do Dia, curta de Fábio Leal que foi problematizado por essa questão), e também da forma que ele se porta nas redes sociais, cancelando quem vai para praia na situação atual. Mas o que mais interessa nesse término é sua estrutura: Ronaldo (Marcus) utiliza das questões sociais e identitárias como caminho para chegar até o fim da relação entre ele e Francisco. É o mesmo caminho que Fábio faz: o contexto da pandemia e as questões sociais são instrumentos, caminhos para chegar em outros lugares. 

O filme tem uma organização de comédia romântica, que é também onde mais brilha e se desenvolve enquanto simultaneamente tenta dar conta de ser um filme pandêmico, atual. Fábio Leal tem um talento para comédia, um timing e entonação que carregam uma certa ingenuidade e naturalidade. Seguindo Todos os Protocolos tem seus momentos mais divertidos e interessantes no absurdo das situações e nas interações com outras personagens. A maneira que Francisco veda sua casa, os processos que faz seus ficantes realizarem antes de transar, indo de um tom pastelão para um desejo mais direto e presente na mesma cena. Também consegue ser doce, com um pequeno registro de celular com Curvelo, por exemplo. Há aí uma energia contagiante, tanto pelo interesse no corpo filmado quanto pela dinâmica dos dois atores, o que também acontece em outros momentos em que Francisco está com outros pretendentes. 

No início do filme, a protagonista tem uma personalidade dura, que expõe amigos que saem durante a pandemia e corta seus laços de amizade, “cancela quem tem que ser cancelado”. Logo se revela sua hipocrisia porque também se deixa levar pelos seus desejos, e denuncia a vontade de cancelamento como uma frustração. Isso é um processo que torna tudo mais interessante de acompanhar, e também denuncia o aspecto mais frágil do filme. Leal posiciona sua protagonista no contexto histórico e político em que vivemos, uma crise coletiva, mas não consegue administrar isso em atrito com as questões individuais que lhe interessam desde o início da carreira. Seu ponto forte está na comédia romântica, não no comentário social, que não precisam ser exatamente abordagens antagônicas, mas aqui são, um enfraquece o outro. O final de Seguindo Todos os Protocolos faz parecer que o mundo é o objetivo, que é se abrir para ele, mas se deve pensar o que se vê desse mundo e o quanto dele é preciso deixar entrar. 

O filme e o cinema de Fábio Leal se tornam mais fortes quanto menos ele tenta coletivizar, menos “importante” e “necessário” se apresenta. A principal potência de seus filmes está em perceber como falar de si, daquilo que o interessa sem fazer concessões ao contexto, aos outros. Algo que pode ser muito mais bonito do que capturar uma paisagem é encontrar em seu próprio autorretrato o reflexo do mundo.

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