Texto: Cristiana da Costa Maia. Revisão: Tatiana Magalhães
Eu acredito em milagres
O curta de ficção A Barca, inspirado no conto Natal na Barca, de Lygia Fagundes Telles, se passa numa barca em plena noite de Natal. Uma mulher sobe a bordo e não parece querer nada além do que fazer a travessia. Tudo que ela queria era chegar ao destino, sem sair da bolha de autoproteção, da zona de conforto, sem interação e, consequentemente, sem danos. Todos os artifícios que usamos para ficarmos invisíveis e impassíveis às situações alheias.
“Quando nós estamos atravessando uma noite escura o que fazemos?” Nos escondemos nos nossos medos? Olhamos para os lados com desconfiança? Tentamos rotular as pessoas, evitando o contato? Ou o próprio curso do rio nos empurra de volta ao acreditar?
Creio que o mais bonito do filme é presenciar a transformação através da perspectiva de uma pessoa a qual aparentemente perdeu a esperança, mas que, ao entrar em contanto com outra que, à primeira vista, não teria motivo algum para nutrir esse sentimento, vê sua vida tomar outros ares.
Uma mulher que segura um bebê narra sua vida difícil, como a morte de seu primogênito e o abandono de seu marido, mas com uma calma e beleza que chega a ser questionada se não é conformismo. A resposta é igualmente suave e bonita: “Deus nunca me abandonou!”.
E é nas cenas seguintes que as relações da fronteira entre a vida e a morte são exploradas. O espectador vê o bebê morto, enquanto a mãe continua a falar sobre como Deus nunca lhe faltou. A tensão cresce à medida que o fim da viagem se aproxima, mas a surpresa se dá quando a descrença dá lugar ao acontecimento da ressurreição.
É desse jeito, envolvendo os espectadores na atmosfera da existência de milagres como sinais para quem crê e na certeza de que a qualquer momento toda e qualquer situação pode mudar e se resolver de forma favorável, que essa obra cresce em sensibilidade. Sem dúvida, um filme tocante.
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