Crítica: De água e de reza (dir. Rodrigo Barros Geweh)

Texto: Luiz Henrique de Carvalho. Revisão: Tatiana Magalhães e Larissa Lisboa

Não há cheiro de alfazema

Quando vi o curta De água e de reza, de Rodrigo Barros, no catálogo de filmes a serem exibidos na 10ª Mostra Sururu de Cinema Alagoano, já fui fisgado pelo tema, que aborda as narrativas das benzedeiras e rezadeiras do sertão alagoano. A figura dessas mulheres idosas representa a força da fé e ancestralidade que constitui nossa cultura nordestina. E para quem se interessa sobre os mistérios da espiritualidade, como eu, a exibição desse filme se apresentou como um convite para refletir sobre essas questões.

Contudo, a obra parece caminhar numa direção contrária. A começar pela montagem do documentário, na medida em que as falas das três rezadeiras se intercalam de forma abrupta e caótica, não permitindo ao espectador alguns momentos de respiro. Esse aspecto se contrapõe à estética contemplativa do que seria ouvir os causos de três senhorinhas sobre sua fé e religiosidade, uma vez que os cortes repentinos e as falas sobrepostas conferem um ritmo demasiadamente acelerado para essa proposta.

Outro ponto importante diz respeito à frieza acadêmica com que o curta retrata as personagens. Conforme informado pelo diretor, o projeto audiovisual foi uma extensão de uma pesquisa sobre métodos tradicionais de cura de uma iniciação científica em psicologia. O viés pretensamente etnográfico não conseguiu permitir a construção de um olhar sensível em relação à história das rezadeiras e sua importância para as expressões de religiosidade sincréticas no Nordeste. Em alguns pontos, inclusive, o curta sugere até um tom de ridículo à fala das personagens, reforçando um estigma caricato. De todo modo, o filme parece, de fato, ter sido um mero levantamento de dados para uma pesquisa científica. Falta o calor e a sensibilidade necessários para querer ouvir, efetivamente, o que as três rezadeiras querem dizer.

Quem já teve a oportunidade de ser rezado por uma dessas mulheres entende a força que é aquela voz aconchegante de vó ecoando e reverberando versos sagrados no nosso íntimo, enquanto o cheiro de alfazema contagia as nossas narinas, o calor das velas acesas queima as nossas angústias e o chacoalhar de ervas verdes descarrega as negatividades que trazíamos nas costas. Infelizmente, o curta não cheira à alfazema e não conseguiu transmitir nenhuma dessas sensações.

Tenho certeza de que se houvesse um olhar um pouco mais alinhado ao encantamento místico que essas mulheres representam, o documentário teria outro ritmo e seria outro filme completamente diferente. As personagens estão lá, mas não há conexão afetiva com a memória delas, o que é uma pena, porque as rezadeiras representam uma potência simbólica bastante rica da nossa religiosidade alagoana, pautada pelo catolicismo popular imbuído de flertes com a espiritualidade afro-brasileira e ameríndia.

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