Texto: Katia Barros. Revisão: Chico Torres.
A Solidão de uma mulher irreverente
O curta metragem com direção coletiva intitulado Ana Terra, é um daqueles acontecimentos que servem para libertar qualquer mulher das correntes impostas por uma sociedade machista, hipócrita e preconceituosa, principalmente quando falamos de cidades do interior como é o caso de Arapiraca, onde tais valores, se é que podemos definir como valores, são cultivados de forma tão fértil como suas plantações de fumo na década de 70 e 80.
Ana Maria Macedo Terra, mulher, portadora de deficiência física acometida pela poliomielite, o que lhe rendeu a alcunha de Ana Perninha e muitas chacotas ao longo de sua vida, nos mostra entre risos e gargalhadas, que ainda que a vida lhe tenha oferecido muitos limões, ela preferiu transformá-los todos em saborosas sobremesas, onde apenas quem a conheceu intimamente, teve o prazer de saborear. Autêntica e fiel aos seus princípios, Ana decidiu seguir pelo caminho onde a liberdade de ser o que quiser ser e viver à sua maneira, eram as únicas regras a serem seguidas, desafiando soberbamente àqueles que sempre estiveram de pedras nas mãos, prontos para atacarem a quem julgassem marginalizados.
Longe de querer criar uma narrativa romântica para essa história, ainda que nossa personagem insista em não ocupar um lugar de vítima nela, é necessário entender o quanto nossa sociedade foi e continua sendo injusta para com as pessoas que decidem se afirmar e viver suas vidas abraçando o que existe de mais genuíno dentro delas: suas essências. Ao longo do curta, nos divertimos com as experiências e as aventuras contadas com saudosismo por Ana, mas se olharmos além das câmeras, bem lá no fundo dos olhos de Ana, veremos a parte dolorida e solitária de uma mulher que foi subjugada e martirizada por toda a vida.
Mais importante que identificar e refletir sobre esses sentimentos de injustiça e abandono por parte da sociedade com relação à vida de Ana, precisamos tirar o chapéu para essa produção que deu o tom e as cores precisas que nossa conterrânea merece. Sob a orientação de Wéllima Kelly, Leandro Alves e Wagno Godez, nomes importantes do audiovisual alagoano, o curta Ana Terra consegue transmitir aos longos de seus 20 minutos um pouco da essência e da intensidade dessa mulher que ousou amar, à sua maneira, até mesmo aqueles que não mereceram.
Ana Terra é uma mulher apaixonada por música e por estar sempre em contato com o público, e o curta retrata isso, através de seus planos cinematográficos, com uma abordagem sensível e clara, como é o caso da cena em que ela canta Paralelas de Belchior nos últimos minutos do filme. Emociona os espectadores pela simplicidade e intensidade da cena, que ganha mais evidência pelo o uso assertivo de uma iluminação que favorece a interpretação da nossa eterna Ana Terra.
Relembrar em forma de homenagem um protagonista tão importante da história da cidade de Arapiraca, sem dúvidas, enche seus amigos e conterrâneos de um orgulho, talvez, incapaz de se mensurar. São produções como essas que nos fazem ter a certeza que o cinema existe, também, para perpetuar de forma digna o que já é de certa forma eterno.
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