Crítica: As Melhores Noites de Veroni (dir. Ulisses Arthur)

Cena de As Melhores Noites de Veroni.
Texto: Wibsson Ribeiro. Revisão: Chico Torres.

A força da contenção

Houve um acerto inegável em exibir As melhores noites de Veroni no último dia da VIII Mostra Sururu de Cinema Alagoano, como filme de encerramento do final de semana, já que o filme parece funcionar, dentre outras coisas, como súmula das questões levantadas pelos demais curtas apresentados na mostra, além de ter causado a impressão de ser o filme mais balanceado nos aspectos técnicos e narrativos. Pode se considerar um índice de seus méritos a consagração com os prêmios de Melhor Filme pelo júri oficial e de Melhor Filme pelo júri popular.

Levantamos a hipótese de que duas linhas conduziram os filmes desta VIII Mostra Sururu. A primeira delas seria a do apreço pela narrativa, conduzida pela força da oralidade de diversos personagens ligados ao nosso imaginário. Ao longo dos três dias do evento o Cine Arte Pajuçara exibiu diversos documentários onde falaram rendeiras, quilombolas, cordelistas, grafiteiros, rappers, mulheres do audiovisual alagoano, meninos de baixa renda que traçam no surf uma linha de fuga, e toda uma gama de outras figuras, até mesmo sertanejos que avistaram um enigmático trem baiano. Aqui conceitos como representatividade guiariam a interpretação e intenção dos autores, buscando de algum modo também registrar, documentar aspectos do real que poderiam estar subalternizados no dia a dia. Mas uma outra linha, por vezes encontrando-se com esta primeira, também se apresentou. Seria a da narrativa envolvendo dramas interiores, muitas vezes a partir do confinamento em casas e apartamentos, onde as personagens se encontrariam as voltas com dilemas amorosos, a solidão, o medo ou a ansiedade. É o caso de Os desejos de Miriam, de Nuno Balducci, Teresa, de Nivaldo Vasconcelos (este com contornos existenciais que fogem dos dilemas individuais, alçando-se ao transcendente), A noite estava fria, de Leonardo Amaral, e alguns outros. É o caso também do filme de Ulisses Arthur, que se insere no limiar desta linha.

As melhores noites de Veroni constrói personagens vivos e articulados, calcando-se em boas atuações e diálogos justos. O drama envolve uma dona de casa enfadada com o confinamento doméstico, interagindo com sua filha e seu marido, um caminhoneiro. Em um misto de ciúmes e carência afetiva, Veroni deseja que seu marido a leve embora ou permaneça mais tempo com ela em casa, sendo peremptoriamente negada. A câmera passeia por Veroni preparando o almoço, bebendo e fumando maconha com o marido, cuidando da filha e ensaiando para apresentações noturnas, como cantora.

Ao contrário do que a primeira cena parece sugerir, quando a protagonista ensaia um brega com sua voz estridente, o filme todo se guia por uma ideia de concisão. É sutil, busca revelar sempre menos do que os personagens realmente sentem. Aqui, um acerto que se sobressai em relação aos outros filmes da mostra: não há concessões óbvias ao didatismo. Todos os diálogos fazem avançar nossa compreensão das personagens, demonstrando boa construção. A relação entre marido e mulher se descortina em um conflito bobo, no qual o marido diz a Veroni que não falava de “neve” e sim de “gelo”, quando lembrava uma de suas viagens, por exemplo. Também não há a necessidade por parte do autor de inscrever slogans fáceis da militância. Ao invés de uma Veroni desconstruída e típica, vemos uma mãe tentando fazer chapinha nos cabelos da filha (esta sim, rebelde, foge de casa em insubordinação precoce). Neste jogo de elipses e sutilezas, Veroni se assemelha aos contos e poemas do norte-americano Raymond Carver, famoso por suas histórias focadas no cotidiano e na intimidade das famílias suburbanas. Mas se no escritor impera o enfoque masculino, com o alcoolismo e os pais de família fracassados no centro das narrativas, no curta de Ulisses Arthur o que está no papel de protagonista é uma personagem feminina e suas agruras, encarnada pela excelente atuação de Laís Lira.

Se dizemos que As melhores noites de Veroni resiste à tentação de reproduzir palavras de ordem, é equivocado não reconhecer uma potência política em sua narrativa. A protagonista, diferente do que poderia se esperar, traça seu êxodo do confinamento domiciliar, cantando na noite, vivendo seus sonhos, buscando também sua afirmação. Com gestos singelos, Veroni é uma declaração de liberdade, assumindo para si as tensões e contradições do real.

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