Crítica: Benção (dir. Maysa Reis); AutistaArtista (dir. Maria Clara Lacerdas Dantas) e Projeto de Doutorado.1 (dir. Roseane Monteiro)

Texto: Cícero Rogério do Nascimento. Revisão: Tati Magalhães

O cinema nos torna gente

Em 1988, Pedro Almodóvar celebrava as mulheres desesperadas à procura do amante, do marido, ou aterrorizadas pela polícia por conta de seu namorado, um terrorista xiita, todas elas à beira de um ataque de nervos.

Passados 35 anos, a relação do gênero feminino com o cinema mudou e muito, ao menos sobre os olhares das realizadoras alagoanas Maysa Reis, Maria Clara Lacerdas Dantas e Roseane Monteiro, cujos respectivos filmes Benção, AutistaArtista e Projeto de Doutorado.1 fizeram parte da 14ª Mostra Sururu de Cinema Alagoano.

Uma historiadora do Trapiche da Barra chega à Santa Catarina para estudar o doutorado, uma garota com Transtorno do Espectro Autista enfrenta a depressão e uma neta e filha dedicada cuida com muito esmero das avós.

As três mulheres têm em comum o cinema como meio para representar suas respectivas histórias de vidas, que são cruzadas por suas experiências profissionais e suas diferentes linhas de trabalhos com um cinema em construção, tudo ao mesmo tempo, tudo em separado, tudo com luta e resistência.

À primeira vista, para quem assiste, pode parecer corajoso desnudar-se diante da tela, ao expor suas respectivas vidas, as relações de intimidade com os parentes e a destreza de enfrentar o mundo tal qual ele se apresenta para cada uma das realizadoras dos três curtas metragens.

Outros espectadores podem até enxergar uma dose minúscula de narcisismo, o que não vem ao caso, já que o que importa mesmo é a coragem de procurar por si mesma e se (re) encontrar, talvez, na lente da câmera que as observam de longe e de perto, seja numa viagem de avião para Florianópolis, numa viagem de van para o interior de Alagoas ou numa viagem subjetiva por dentro de si, tentando se entender e se relacionar com as pessoas numa crise existencial para qual a arte, em particular o próprio cinema, vira uma espécie de cura.

Naqueles momentos específicos, gravados em poucos minutos, em diferentes espaços, trazendo à tona diferentes mundos, existências e sentimentos, todas as três cineastas alagoanas tornam-se mulheres que se viram diante da câmera em momentos especiais de suas vidas.

A representação de si mesmas na telona traz em cada uma delas o propósito que as move para o trabalho, para o amor e para a cura. As imagens, embora representativas de pessoas e diferentes mundos, carregam em si as relações que nos tornam humanos, demasiados humanos, como diria Nietzsche.

A câmera foi o espelho, a memória e a história para as três diretoras. À procura de si, autoenxergar-se, ver-se a si mesma, de dentro para fora e de fora para dentro, só foi possível porque o cinema existe. O cinema nos torna gente.

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