Crítica: Jiripancó – Escola do Nosso Eu (dir. Aldemir Barros)

Texto: Marconi Tabosa de Andrade. Revisão: Tatiana Magalhães

Uma escola de resistência

A partir de um cerimonial com caráter religioso, o documentário discute as bases de uma educação indígena na aldeia Jiripancó. Ao passo que as etapas do cerimonial são apresentadas, as falas de professores indígenas, estudantes, pais e lideranças da comunidade cotejam de sentidos a formação de uma identidade indígena que resiste em meio aos perpassamentos do seu território, por todas os aparatos urbano-comunicacionais contemporâneos. Por isso, é significativa a Smart TV que aparece ao fundo da entrevista de um Jiripancó, que fala com muita lucidez sobre suas particularidades culturais, demarcando a convivência delas com o entorno que lhe é “estranho”.

Em meio ao debate sobre a possível dissolução das identidades locais, perpassadas por tantas informações, imagens e significados de uma cultura globalizada, Jiripancó destaca a importância de uma educação indígena que é consciente das suas necessidades internas, sem deixar de se conectar com as demandas de uma sociedade que tende a pasteurizar as diferenças. E essa articulação entre a identidade indígena/negra e aquilo que chamamos de “Brasil”, como representação de sociedade mais diversa, é uma necessidade inclusive de garantia de direitos ao território, à educação, à cultura e ao reconhecimento social de modo mais amplo.

A comunidade é apresentada, assim, por meio das falas dos seus professores, estudantes e pais, compondo uma percepção muito próxima de uma autoetnografia, na medida em que os sujeitos falam de si e das suas questões identitárias. Evidentemente, essas falas são mediadas pelos realizadores do documentário, que decidem, em todas as etapas, o material que será recolhido, como será recolhido e, depois, como será editado e montado. Neste sentido, não se trata de uma obra produzida integralmente pelos sujeitos, mas que consegue dar transparência aos sentidos articulados pelos sujeitos na produção da sua identidade. Neste ponto, o documentário é muito feliz e nos proporciona uma experiência bonita de imersão na aldeia Jiripancó.

A educação indígena está, assim, no cerne, da reprodução/manutenção de uma identidade que se mostra capaz de preservar seus elementos constitutivos em meio aos conflitos que sabemos ameaçar as comunidades indígenas e quilombolas no Brasil. Estes dramas não são destacados no documentário (e precisam ser?), mas o seu resultado: uma comunidade que se organiza com sucesso e mantém sua luta cotidiana para afirmar o seu “eu” mais genuíno.
E o que é a identidade senão aquilo guarda a maior riqueza e a maior beleza de um povo?

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