Texto: Ana Luiza Costa. Revisão: Tati Magalhães.
Novas lentes
Ao longo da história da fotografia, o retrato foi um ritual condicionado por um olhar determinado. Retratamos para lembrar, para fixar um instante no tempo. Ao recordar o fotografado, evocamos de novo esse instante, mas, para além disso, convocamos toda uma realidade, uma ordem social construída por determinados atores sociais. Por séculos, a historiografia tem representado e legitimado um padrão de poder que, através de suas estruturas de dominação, exclui o cotidiano, elaborando rígidas hierarquias que mantêm fora da memória coletiva aqueles que Frantz Fanon chama do não-ser: indígenas, negros, mulheres e a classe popular.
Espalhando sobre a mesa de casa os retratos de família, em uma conversa corriqueira, a diretora Maysa Reis apresenta as memórias das avós, não apenas conjurando as lembranças dessas mulheres para as futuras gerações e seus próprios familiares, mas cria um registro vivo da potência pela persistência diária, mantida pelo afeto entre os subalternizados. Nessa narrativa enquadrada foto-take, a diretora/neta mescla o resgate de histórias do passado ao mesmo tempo que constrói novas memórias para e com suas avós.
Da mesma maneira, Roseane Monteiro revela não somente seus retratos do doutorado, mas seu quarto escuro, ao abordar toda a construção das memórias desse processo e todos os ruídos que dificultaram revelar seu percurso. Durante todo o curta, a diretora nos faz encarar o extra campo que o enquadramento do diploma nos apresenta: a dualidade de sua família, o contraste de sua criação e o contexto em que luta para se inserir, o afeto enquanto força de luta passada de maneira geracional e a teimosia enquanto persistência.
Em Benção (Maysa Reis, 2023) e em Projeto de Doutorado. 1 (Roseane Monteiro, 2023) encontramos a determinação de permanecer, diferente da resistência, que nos encaminha à noção de enfrentamento e luta direta. As autoras nos retratam essa determinação de permanecer, do memorar, do registrar. Os curtas são um retrato que provoca a memória formal patriarcal, colocando no centro da narrativa mulheres cujos grandes feitos foram sobreviver e manterem vivas aquelas que o sistema insiste em apagar.
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