Crítica: Copidesque (dir. Felipe Moreno)

Texto: Eudes Ferreira. Fonte: Oficina de Crítica Cinematográfica

Quando a ânsia precede a inovação

Fazer cinema é uma tarefa difícil. Fazer cinema no Nordeste, então deve ser duplamente difícil. Quem vive aqui sabe que estamos marcados por um regionalismo que se reflete em produções diversas, até mesmo de outros diretores e realizadores não alagoanos, e ainda assim constroem um produto tão parecido quanto.

Bem verdade que o regionalismo marca o nosso cinema causando certa caricatura. Sendo mais objetivo, o problema não é fazer do regionalismo um elemento importante, mas sim executá-lo para que não caia no clichê. Desvencilhar-se dele, de toda forma, implica em retratar a vida urbana, seja nas periferias, seja nos bairros chiques ou qualquer lugar que não seja o sertão castigado pela seca, o cinema alagoano raramente se constitui distante desse padrão. No fim das contas, todo filme, regionalista ou não, precisa ter a sua ideia bem executada.

É aí que entra em cena Copidesque, de Felipe Moreno, um curta de atitude ousada e corajosa, acredito, mas apesar das boas intenções, falta-lhe sustância, à exceção da trilha sonora, quase inteiramente executada pela banda alagoana de heavy metal Jailbat, competente e de acordo com a atmosfera que o curta tenta passar.

O filme foi exibido pela primeira vez na VII Mostra Sururu de Cinema Alagoano e conta a história do jornalista Gabriel do Vale Nunes que, no dia em que a cidade sofre um atentado, é escalado para ser âncora e fazer a cobertura completa, sem esperar surpresas advindas do próprio terrorista. Quando o curta chegou ao momento de tensão, a primeira coisa que lembrei foi o filme Por um fio (2002), de Joel Schumacher, onde um homem fica à mercê de um desconhecido que grampeia uma cabine telefônica que o protagonista usa para enganar a esposa. Inescrupuloso e mentiroso, o personagem desmorona ao ter de se curvar às vontades de seu perseguidor.

Mas voltemos ao nosso filme que, acredito ter sido construído de modo a assimilar-se, intencionalmente ou não, a uma produção aparentemente americana, como a composição da trama, por exemplo. A forma como Gabriel é construído, numa conversa com a amante, ou quando fala com os funcionários da rede de TV à medida que nela vai adentrando, deixam explícita a proximidade com essas produções estrangeiras. Até mesmo os diálogos podem causar certo estranhamento no público, mas uma vez que a cidade em que se passa a história não tem seu nome revelado, o que não prejudica o desenvolver do filme.

As atuações deixam a desejar. A da recepcionista, por exemplo, é caricata o suficiente para lembrarmos dela durante o resto do filme. Nenhum personagem consegue passar com exatidão a intensidade do que está sentindo, desestabilizando a tensão ali desejada. Este elemento, inclusive é pouco explorado pelo jogo de câmeras. A direção de Filipe Moreno escorrega ao desenvolver parte da trama em poucos planos e com uma câmera fixa, sem aproveitar o que tem em mãos, limitando-se a closes no rosto de Gabriel, provocando risos nos espectadores (e sabemos que quando um filme mostra cenas intencionalmente tensas, provocando risos, é porque a coisa está séria).

Se nos esforçarmos para tentar levar o filme a sério, não nos assustemos com a possibilidade de um maníaco chegar atirando num shopping, até mesmo em Maceió, estando todos cientes de que malucos como o vilão do filme existem em todo lugar. No entanto, podemos nos debruçar na figura de Gabriel e o editor chefe, cuja tentativa de expor seus dramas pessoais em detrimento da audiência é o sinal de uma construção psíquica interessante. Mas, como todas as ideias do filme, ela é mal aproveitada pelo já mencionado desempenho dos atores.

O vilão causador do atentado, que não aparece em tela, não consegue sequer espantar um gato dos mais assustadiços, não fazendo o mínimo esforço para esconder o fato de que está lendo todo seu texto no momento da ação, soando teatral e pouco convincente. E tampouco soa coerente. Se em “Por um fio” um maníaco quer apenas brincar com uma situação banal, em Copidesque isso não se faz notar: num momento o assassino reclama o fato das pessoas perderem seu precioso tempo assistindo a telejornais de conteúdo duvidoso ou tentando descobrir qual esmalte a cantora Beyoncé está usando, entre outras futilidades. Nessa mensagem ele parece dizer “Hey! Acordem! Há coisas mais importantes a se atentar mundo afora!”. Mas logo em seguida expõe em rede nacional os casos extraconjugais de duas pessoas, como se isso sim sintetizasse os problemas do mundo (decerto que Pio XII não se atentou a esse detalhe ao escrever sua obra Os problemas do Mundo Moderno).

A qualidade do roteiro é duvidosa. Em certo momento, Gabriel informa que várias vítimas não foram identificadas após o incidente, mas como vítimas de um atirador não podem ser identificadas? Em mais uma pérola, ele pergunta a uma das testemunhas o que mais ela fez enquanto corria do assassino terrorista. “Eu continuei correndo”, ela responde, sem constrangimento. A tentativa de fazer do vilão um gênio (a ideia da ligação gravada e o relógio, por exemplo) não se sustenta e soa ilógica, fazendo do final um deus ex-machina.

Desconfio cegamente de que o filme não tentou parodiar a imagética americana das telas dos filmes e séries, embora tenha soado assim ao meu ver. Ao fim da sessão senti mais uma vez que um filme pode sim provocar sensações fortes, e o constrangimento não soou diferente disso. Acredito que os realizadores não queriam isso e tenho certeza de não ter sido o único a se sentir “tocado” pelo filme na sala de cinema. Mas sabemos que por trás de cada escorregada há uma boa intenção. No entanto, trata-se de uma produção amadora. Em última instância, que Copidesque sirva de exemplo para futuros trabalhos de Moreno, aprendendo com seus erros e não desistindo de produzir novos filmes ambiciosos.

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