Crítica: Ilhas de Calor (dir. Ulisses Arthur)

Texto: Vinicius Brandão. Revisão: Tatiana Magalhães.

CRIATIVIDADE À SERVIÇO DA SENSIBILIDADE

O filme Ilhas de Calor, de Ulisses Arthur, se destaca por sua inventividade. A aparente banalidade presente no dia a dia de adolescentes de uma cidade do interior de Alagoas é dotada de um charme especial, cheia de vida e bastante enérgica, como o próprio título nos sugere.

Nesse sentido, é sempre bom quando um filme foge do comum, e ao mesmo tempo não tenta se tornar maior do que é capaz. Precisa e coerente, a direção de Ulisses nos direciona para a imersão necessária ao universo de Fabrício (Vyctoria Tenóryo/Vitor Santos), um adolescente decepcionado com os caminhos que o levaram à desilusão amorosa com um de seus colegas de classe.

Não há soluções óbvias. Por exemplo, para retratar o ápice da puberdade, que traz impulsos e desejos sexuais, o filme, a partir de uma montagem dinâmica (que realça a fugacidade dessa fase da vida) nos mostra um verdadeiro jogo de ”pega-pega” entre aqueles adolescentes. E dentro desse grande jogo, Fabrício e o colega por quem é apaixonado desenvolvem a partida mais difícil e violenta. Eles se distanciam dos demais e disputam o direito de desejar um ao outro, somente parando quando são descobertos.

Essa disputa interrompida consome Fabrício durante todo o filme. Sua melancolia o distrai em aula, ao mesmo tempo em que dá material para sua criatividade. Assim, a criatividade nas escolhas do curta se espelha na dele, maximizando ainda mais a efetividade dessas decisões. Um exemplo é a escolha do diretor em utilizar alunos da própria cidade, da mesma faixa etária, o que traz uma energia especial ao filme, já que essas pessoas passam pelas mesmas situações e palpavelmente se divertem com tudo aquilo.

Deste modo, essas palavras, músicas e danças vindas de Fabrício transmitem verdade e impactam, pois vieram de decisões sensíveis e de ideias acolhedoras. Para essa transmissão, a arte do filme é essencial. Vemos isso nos momentos de maior expressão do protagonista: a pokebola e as roupas planejadas para o estudante literalmente soltam raios, energias reprimidas explodindo na tela, demostrando o que se passa internamente com a personagem.

Mas, para mim, a mais significativa dessas decisões se dá na cena do roubo da bicicleta e da pedrada final. A imagem se despedaça (literalmente), assim como o coração de Fabrício e as esperanças naquela relação. O fator surpresa é essencial para o impacto e realça a sensibilidade presente no filme, dando à cena um tom dramático e simbólico muito significativo para a evolução do protagonista.

Portanto, Ilhas de Calor é um retrato sensível de um conflito interno vivido por tantos adolescentes ao redor do mundo. Sempre atento aos caminhos traçados e fugindo das obviedades, é um filme diferente, com uma energia quase que palpável e um charme envolvente.

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