Crítica: Isso Vale um Filme (direção coletiva)

Texto: Maysa Santos. Fonte: Oficina de Crítica Cinematográfica

Imaginário e memória constroem esta cidade

Nos últimos anos o cinema vem abraçando temáticas urbanas, principalmente a relação entre pessoas e cidades. A sétima arte virou espaço de discussão do cultural e urbano no ambiente pós-moderno. Em Alagoas não é diferente. Desde as primeiras edições da Mostra Sururu é possível observar curtas que trazem questões da cidade como temática central. Estamos contando histórias do nosso habitat, fazendo registros além do imaginário e estabelecendo relação com nossa memória afetiva e efetiva.

Para quem é de Maceió e ainda convive diariamente com os causos de uma capital que é assolada pela marginalidade e violência, o Vale do Reginaldo é considerado um local para se evitar. A comunidade é localizada no bairro do Poço, que fica na região central, já representou desenvolvimento econômico para a cidade mas hoje vive a mercê do abandono de politicas públicas e investimento comercial.

Isso Vale um Filme, documentário feito por integrantes do Ateliê de SESC de Cinema, traz às telas imagens de uma comunidade à margem da sociedade. De pessoas que moram em um conglomerado de residências e sofrem todo tipo de discriminação, mas guardam na memória o espaço que um dia foi um cinema: o Cine Plaza.

Pra mim, que nasci no começo dos anos 1990, momento que o cinema já vivia sua decadência e em pouco tempo viria encerrar suas atividades, o espaço não representa nada além de um registro histórico. Porém, para as pessoas que nele conviveram, e imaginando o espaço no âmbito da cidade, ele se mostra imponente e mais do que isso, representativo daquelas décadas passadas.

No início do curta vemos de cima um panorama da comunidade, em imagens feitas com drone. Pra mim, esse tipo de técnica embeleza as cenas; as torna plásticas; comerciais; são bonitas até demais, mas a mim não dizem nada além disso. Nada contra a utilização da técnica, só acredito que faltou equilíbrio entre sua utilização e o discurso do filme. Também não consigo encaixar beleza plástica na história de uma comunidade carente e um lugar de cultura em ruínas. Não acredito que esse é o espaço.

Por outro lado, existe a construção de uma memória cultural e da cidade que cria relação de espaço-tempo com aqueles moradores. Isso sim é bonito e significa muito!
A voz do mestre do nosso cinema, Elinaldo Barros, surge como uma representação de que ali, em meio a paredes quebradas de um ambiente abandonado, daqueles destroços, existiu um espaço de cultura e principalmente de cinema que foi importante na construção do imaginário de um corpo social. Isso trouxe austeridade para o discurso do filme. Entusiasta do nosso cinema, Elinaldo traz poder e lembranças que tornam aquele lugar mais vivo para quem, assim como eu, não teve a oportunidade de conhecer e habitar o Cine Plaza.

O filme também olha para crianças da comunidade (de novo com drone) brincando de se esconder. Nesse momento artifícios são utilizados para completar o imaginário em torno daquele lugar e do que ele representa para os moradores de Maceió.

A presença do personagem místico do Bumba meu boi faz referência ao universo fantasioso que se cria por meio do cinema. São lendas urbanas que se criam por meio do espaço ocupado, e agora, abandonado. Cria também relação com a população que se envolve de maneira participativa no rito do boi. Vejo como um acerto representar a imaginação social dessa forma. Contribuiu de maneira interessante para o enredo.

O filme é dividido em atos. O primeiro dura quase o filme todo. O segundo é breve, o terceiro encerra o filme. Não acredito que essa divisão acrescentou algo. Existe uma lógica na existência dos atos, que não se justifica na narrativa estabelecida pelo filme. Para mim, esse foi o ponto mais questionável.

Essa confusão pode ser decorrente da escolha pela direção coletiva. Imagino a dificuldade de lidar com várias ideias e adapta-las no mesmo rumo. Nada tão problemático a ponto de prejudicar o filme, mas isso poderia ter sido repensado.

Outro ponto é que o filme se destaca perante os produzidos anteriormente pelo Ateliê. Isso Vale um Filme tem elementos ficcionais e de contexto que o tiram do lugar comum de filme de oficina. É um incentivo à produção de novos discursos para próximas produções impulsionadas pelo Sesc.

De uma maneira geral o filme me apresentou a um universo novo, que eu desconhecia por experiência, mas que agora me aproxima pelo olhar do cinema. Mais um filme que trata da relação entre construção social e espaços culturais da nossa cidade. Que eles saiam das ruínas e virem Bumba meu boi a nos provocar a cair na dança.

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