Crítica: Janela (dir. Daniel Milano e Michael Leite)

Texto: Luiz Henrique de Carvalho. Revisão: Tatiana Magalhães

O cinema independente também resiste

Janela figurou entre um dos poucos filmes de ficção da 10ª Mostra Sururu do Cinema Alagoano que não foi contemplado por um edital de fomento, mas nem por isso perde relevância. O cinema é uma janela para a vida e a expressividade humana, e esse curta é um olhar metalinguístico para a própria criação cinematográfica.

Presa numa rotina que a angustia, a protagonista recorre ao seu lugar de conforto para espairecer a mente: a Biblioteca Pública Estadual Graciliano Ramos, por onde passeia entre os corredores a escolher o novo título para leitura, enquanto aperta a bolinha terapêutica para combater o estresse. A partir do contato com a literatura, constrói-se o filme, na medida em que a personagem é transportada para o mundo da história que lê, e nós, espectadores, embarcamos numa exploração das linguagens de gênero.

Tudo em volta da personagem se esvai, e entramos junto com ela na nova narrativa, um filme dentro do filme. Estamos no espaço, acompanhando a protagonista, agora caracterizada como astronauta, a receber as instruções da nova missão. Os efeitos especiais, apesar de amadores, são suficientes para construir a fantasia da história, além de representarem uma iniciativa bastante ousada e empreendedora dos realizadores. A narrativa começa a se desenvolver e já somos fisgados pela trama. Quem é essa personagem? Qual sua história? Quais seus objetivos, forças e fraquezas? E num corte abrupto, voltamos à Biblioteca.

Nesse ponto fica clara a proposta do filme: a de experimentar. O próximo livro escolhido pela personagem nos leva a outro filme dentro do filme: agora, estamos diante de um suspense, thriller ou terror. A trilha sonora – a propósito, original, o que também é louvável – acelerada e perturbadora ambienta a sensação de medo. Depois, novamente o corte abrupto, e voltamos à Biblioteca.

O último filme dentro do filme é bem mais experimental e irreverente que os outros: acompanhamos os dramas jovem-adultos de um rapaz que conversa com seu boné falante. Os filtros de imagem parecem querer construir uma estética de desenho ou animação. E de novo, de volta à Biblioteca, onde nos despedimos da protagonista e suas janelas.

O filme parece nascer de uma vontade incontrolável dos realizadores de fazer cinema. Os filmes dentro do filme representam seu experimentalismo em brincar com vários gêneros e formatos. Talvez eles desejem fazer filmes inteiros dessas narrativas que construíram e que também, certamente, cativaram o público. Mas talvez a falta de recursos também os impeça de produzir todos esses filmes, o que não lhes retirou a vontade de fazer cinema, porque está tudo posto na tela, no talento, na técnica e na composição sonora e fotográfica de Janela.

Apesar de apresentar algumas imperfeições, o curta não está longe dos seus pares contemplados por editais de fomento. Talvez ele seja justamente um grito desesperado de quem quer produzir cinema em Alagoas, mas é impedido pela falta de recursos financeiros. E viva ao cinema independente, que também resiste e também está vivo!

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