Crítica: O Branco da Raiz (dir. Anderson Barbosa)

Texto: Mariana Lira. Revisão: Tatiana Magalhães.

O silêncio da casa de farinha

Eu sempre achei que o povo da roça falava pouco. De um jeito tímido, cismado, desconfiado. E eu, que sempre fui faladeira, estranhava muito aquilo! Cresci indo pra fazenda de Tio Mium, em Castro Alves, na Bahia, Fazenda Alto da Maravilha, e foi lá que conheci a casa de farinha. Não lembro quando foi que entrei pela primeira vez naquela casa simples, de telhado baixo, chão batido e sempre cheia de gente, mas lembro da sensação boa de sentir o pó branco nos pés e de sempre olhar pra baixo e ver as pernas esbranquiçadas até a altura da canela. Achava engraçado!

Assistir ao documentário O Branco da Raiz, de Anderson Barbosa, e não rememorar essas coisas, pra mim, é impossível. O filme me remete a esses momentos pontuais da minha infância de uma forma tão intensa que me pega pela emoção, profundamente. A beleza das cenas do curta é encantadora, e acredito ser impossível que alguém discorde de mim nesse ponto. O que mais se destaca nele são a fotografia e o som.

Imagens lindas, de câmera parada, em ângulos diversos, mostram o tempo de trabalho que envolve o fazer artesanal da farinha de mandioca (um ano), base alimentar nordestina tão importante que poderia muito bem ser considerada um patrimônio brasileiro. E esse próprio fazer é o tema do filme, é isso que ele conta: as etapas da farinha, desde o plantio até o ensacar dela pronta, já fininha e torrada. Um ano de trabalho braçal, pessoal, cuidadoso e árduo, que rende pouco perto do trabalho que solicita.

Os sons são, na maioria das cenas, os do ambiente. Lindos e reais. Lembro bem, retomando a minha infância, do som do vai e vem do rodo no tacho, que mexe a farinha enquanto ela torra, pra não deixar virar beiju, até ficar da cor certinha! Ele aparece no filme perfeitamente, assim como o som da enxada no roçar, das folhas, da vassoura no chão e da faca descascando as raízes. Por vezes ouvimos música também, no filme. Instrumental e delicada, combinando perfeitamente com as belas imagens e o tom poético. Poucas vezes ouvimos as pessoas.

Uma família, de quatro integrantes – em que os quatro ainda se envolvem na produção artesanal do alimento – mas que a vê ir embora por forças externas. O desinteresse dos mais novos pelo fazer artesanal, a industrialização, que barateia o produto e torna desleal a concorrência. Não são assuntos tratados diretamente no filme, mas são facilmente compreendidos quando pensamos um pouco no que é manter uma tradição nos tempos de hoje.

A beleza é o principal adjetivo que o documentário carrega. Acompanhada da delicadeza, sutileza e também tristeza, por sabermos que aquele costume tão logo não mais existirá na cultura nordestina. Morrerá à míngua, como aconteceu e acontece a tantos outros. Como aconteceu na fazenda de tio Mium, onde hoje a antiga casa de farinha é só mais um depósito abandonado, saudoso, silencioso e triste, sem a névoa branca que costumava abrigar e que tão lindamente se fazia dourada no contraste com a luz do entardecer no Alto da Maravilha.

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