Crítica: Marighella (Dir. Wagner Moura)

Texto: Leonardo Hutamárty. Revisão: Larissa Lisboa

Estreante na sua direção, Wagner Moura constrói filme de época de moral ambígua, e retrata o elemento militar, ilegal e ilegitimamente, como o verdadeiro agente do terror.

O filme Marighella (Dir. Wagner Moura, 2019) mergulha nos últimos cinco anos da vida do guerrilheiro de nome homônimo ao filme, iniciando em 1964, no rescaldo do golpe militar; quando Carlos Marighella, interpretado por Seu Jorge, lidera um assalto a um trem de armas de fogo. Desde o início, a câmera (incansavelmente em movimento) e os frequentes planos sequenciais capturam a ação que só pode emergir de uma inquietude dramática genuína.

A interação emotiva entre Marighella e seu filho, Carlinhos, na praia, seguida por uma perseguição policial até uma sala de cinema, que culmina com um ferimento à bala no ombro, revelam facetas humanas do protagonista; as quais são posteriormente celebradas pelo filme ao explorar seu relacionamento com a família e a camaradagem. Gradualmente, nos apegamos à sua persona.

A cinematografia se destaca ao recriar meticulosamente a atmosfera da época e ao demonstrar um design de produção refinado. Adiante, o delegado Lúcio, interpretado por Bruno Gagliasso, personifica a corrupção militar e assume um papel antagonista; quando brutalmente tortura e abate dois jovens marginalizados. Esta cena é um exemplo de violência crua, que se repetirá em outros momentos, criando uma ambiguidade formal intrigante: se por um lado há a beleza poética do mar e da praia, o apelo contemplativo dos planos fechados, da fotografia intimista; por outro, muito se testemunha da violência brutal e explícita, do choque pelo choque, à maneira explosiva.

Quatro anos depois, em meio ao crescente cerco militar no Brasil, Marighella abraça a luta armada, sendo expulso do Partido Comunista e se afastando por segurança de seu filho e esposa. O radicalismo proposto pela personagem e seus camaradas, ao optarem pela reação armada, se mostra como uma pulsão claramente suicida. Embora o filme articule as motivações através das palavras do protagonista — em nome dos trabalhadores explorados, e assassinados, das crianças escravizadas em latifúndios, dos grevistas massacrados pela repressão policial, das mulheres violentadas nas prisões, dos companheiros torturados até a morte, e da imprensa sob censura — estas não se tornam totalmente claras para o espectador comum. O resultado é um thriller de ação, onde heróis e vilões se enfrentam, sem uma base histórica sólida para sustentar a heroicidade daqueles e a vilania destes.

O subsequente assalto à agência bancária, liderada por Marighella e seu grupo de guerrilheiros, todos significativamente mais jovens e politicamente engajados (isto é, que apostavam a vida na democracia), evidencia a tentativa de acumular recursos para a revolução e disseminar mensagens de conscientização: “Nós não somos marginais, nós não somos bandidos, nós somos revolucionários que lutam pela liberdade do povo que foi roubada pelo golpe militar”. A mentalidade cubana da guerrilha, inspirada em Che Guevara, tem em vista evitar antagonizar o povo. Não por acaso a crítica alemã achou o filme mitificado. Há um certo patriotismo que remete a Soy Cuba (Dir. Mikhail Kalatozov, 1964), sugerindo uma espécie de chamado propagandístico para a revolução.

As cenas de encontro entre Marighella e Almir, ou Branco (Luiz Carlos Vasconcelos), em esconderijos e galpões, servem à exposição verborrágica pelo suceder dos acontecimentos narrativos e históricos, mas também a essa exploração de uma interpretação teatral e mítica.

Ao progredir dos acontecimentos, somos levados a sentir uma oscilação de afeição e repúdio por Marighella. Enquanto ele luta para se reunir com seu filho na Bahia (com o qual se distanciou para guerrilhar por seu país, o que se torna o fio condutor da trama); sua decisão de liderar uma resistência, ao lado de Branco, de lutar contra os crimes hediondos de tortura da investigação de Lúcio, contra as pressões exercidas pelo militar americano (Charles Paraventi), contra a infame censura instituída pelo regime; também resulta em assassinatos e sacrifícios, dos que estão à sua volta, em nome de uma causa cuja clareza permanece elusiva.

A invasão policial à biblioteca, onde Marighella mantém uma conexão, desencadeia uma sequência que expõe a verdadeira face do terror. O padre, que gerencia o estabelecimento, é intimidado e agredido pelo delegado Lúcio, a ponto dele se urinar nas próprias calças. Isso nos lembra da ironia da mentalidade terrorista que emerge justamente nos que afirmam combatê-la.

No clímax, somos conduzidos a cenas de confronto e perseguição policial, onde torcemos pelo sucesso dos guerrilheiros, ao mesmo tempo que somos imunes ao sofrimento imposto sobre eles. Diante de um inimigo quase invisível (o Estado, as Forças Armadas), personificado no delegado Lúcio (que é malvado, psicótico e que se afirma um patriota), resta um sentimento de impotência e a premonição de que o pior está por vir.

A ambiguidade moral do filme respeita a diversidade de perspectivas dos historiadores. A narrativa então culmina na prisão e morte de grande parte do grupo de Marighella, inclusive, no violento assassinato deste grande líder revolucionário; quando o guerrilheiro, na noite de 4 de novembro de 1969, é fuzilado em uma emboscada que envolve ao menos 28 policiais.

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