Crítica: Marolas (dir. Celso Brandão)

Texto: Felipe Duarte.

Você não vive na América Latina, você vive no Cosmos”.

Estive mais cedo em conversa com um outro crítico da Mostra, que por não ser alagoano, compartilhou comigo suas impressões do que descobriu sobre o cinema do estado na sua experiência até agora. Comentando sobre os filmes que mais lhe agradaram, chegou ao nome de Celso Brandão. “Ele tem cara de tipo o Scorcese daí”. Ri bastante. Não neguei.

Foi ainda tocado por esse comentário que dei play em Marolas, e assisti as (belíssimas) ondas cinza de Brandão encharcarem o Mundo, logo além de sua janela. Encharcam-no realmente quase todo, sendo o recurso poético não tão necessário para compreender a frase. Molham os grãos de areia, salgam o ar, e remexem os ecos nos ouvidos, mesmo quando não aparecem na tela. Como se as tivesse acabado de descobrir, atraído pelos tais ecos, Celso se debruça no monólito de luz que é sua janela, e explora o Mundo que por elas e é envolvido.

Mas não o faz como Celso. Veste-se de Homem, e como tal, mostra muito mais do que poderia se não o fizesse. Revela o Sol na areia sob as nuvens de espuma, e as nebulosas retidas nas raízes dos mangues. Grava caranguejos emergindo delas, como se fossem as primeiras formas de vida a pisar no Mundo. Posa sob a luz das copas dos manguezais como se fosse o único Homem, e desbrava o que encontra como se tudo fosse virgem, antes que sua retina o capturasse.

Em todo o seu percurso, o Homem participa de um processo de maravilhamento, tanto para si como para nós. Existe para a existência do que lhe é externo, exibe para indagar, uma entidade magnânima que molda o Mundo para nós à maneira que o descobriu. O Cosmo é intocado, pois o olho que o registra age como se nunca tivesse recaído em animais de toda sorte, ou até em outros homens, que prendem o mar em redes e sobem aos Céus para catar coco. Quando se dá por satisfeito, o Homem some da tela, e Celso, o criador-criatura, se afasta de sua janela.

Se há um paralelo real no prestígio de Scorcese e de Brandão, eu já não sei. Mas talvez o que possa ter causado essa impressão é a capacidade que esse alagoano cósmico teve de transmitir um estado de graça fenomenal, coisa que eu não sei se o estadunidense já fez (ou pelo menos fez tão bem). Com as supernovas de suas Marolas, Celso prova o ponto que anuncia no início do filme. Mora sim nos Cosmos. E não está sozinho.

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