Texto: Tatiana Magalhães. Fonte: Oficina de Crítica Cinematográfica
As cidades que cabem em nós
O conflito estabelecido entre imagem e som parece ser o caminho encontrado por Taynara Pretto para expor o (bom) argumento narrativo de seu documentário Minha palavra é a Cidade. Desde o início, somos apresentados às ruas de Maceió a partir de trechos de raps alagoanos. A primeira impressão é de entrar em um road-movie, iniciado pelas ruas do histórico e abandonado bairro de Jaraguá. Porém, logo em seguida somos deslocados para uma câmera nervosa e desfocada, quase que despreocupada em mostrar um caminho. A estátua da liberdade aparece sacudida, transversalizada, e em seguida a tela nos mostra a derrubada das casas da antiga favela do Jaraguá – ou, melhor dizendo – a Vila de Pescadores, renegada e posteriormente destruída pelo poder público em um passado recente. Essa conexão simbólica entre liberdade estagnada e o movimento que desconstrói deixa dúvidas quanto ao caminho que será seguido no restante do filme.
Descobrimos a seguir que não se trata de contar a história do Jaraguá, mas de que forma conflitos como estes são subjetivados e transformados em composição sobre a cidade, em um elo de aproximação não apenas sonoro, mas identitário, entre as pessoas que fazem da palavra cantada seu instrumento de luta e denúncia. É a partir da abertura que é estabelecida essa relação de desconforto do espectador com a cidade e suas narrativas. E, embora a alternância das personagens apresente uma estrutura comum a documentários, a câmera permanece algumas vezes mais preocupada em desfocar a “beleza” estabelecida socialmente, como se fosse necessário incomodar. Se a palavra tem essa força, a imagem (e a negação de sua perfeição) também a tem.
Se por um lado, a escolha dos personagens e a relação com a cidade e seus conflitos revela múltiplos olhares sobre a urbanidade que nos constitui, por outro acabamos por sentir falta de outros elementos fílmicos que ressaltem essa mesma palavra. Assim, a maior qualidade do filme está na forma como Maceió é sugerida ao espectador a partir de rappers de origens e personalidades diversas: Vitor Pirralho, de origem economicamente mais favorável que os demais e que retorna à capital alagoana na juventude; Mc Will, professor de matemática e morador do Benedito Bentes, dividido entre os estudos na Universidade Federal e seu lugar de moradia; Mc Alisson, criança moradora dos prédios da fictícia Vila dos Pescadores (para onde foram jogados os profissionais expulsos da verdadeira vila, seu lugar de origem); e Mc. Aline Sakura, impedida de mostrar seu lugar – Conjunto Virgem dos Pobres 3 – e deslocada para o espaço onde o jovem da periferia alagoana é constantemente hostilizado: a Ponta Verde.
Essa contradição aparece no discurso de possibilidades trazido pela própria música. Eles parecem ter consciência de que ela é, apenas, instrumento e que, ao falar verdadeiramente da nossa aldeia, falamos verdadeiramente de todas as aldeias. Afinal, de que cidades falamos quando falamos da nossa cidade?
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