Crítica: Povoado (dir. Wagno Godez)

Texto: Tatiana Magalhães. Fonte: Oficina de Crítica Cinematográfica

Na espera de uma passagem

O retorno à casa que não é lar e o estranhamento no espaço de suposto acolhimento é tema comum das narrativas fílmicas. Sendo assim, não nos é difícil imaginar os possíveis caminhos a serem percorridos por uma trama que parte dessa premissa: a aceitação ou a ruptura com o lugar, já que este, sendo parte de quem nele vive, é também – e principalmente – a transformação de si mesmo. Em termos de fabulação, as opções por uma dessas passagens perpassa, necessariamente, pela forma como a personagem central nos é apresentada e a empatia que por ela criamos, quais os conflitos que levam a esse estranhamento e quais elementos se apresentam nesse caminho de identificação e desidentificação vivenciados pelos sujeitos e revelados ao espectador.

No caso de Povoado, curta de ficção de Wagno Godez, o que se mostra nos quatro primeiros minutos diz muito sobre a interioridade de Soraia (Renata Sarmento) a partir de duas perspectivas: primeiro, do ponto de vista da personagem, que dirige um caminhão vermelho; depois, esperando uma boiada passar, referências recentemente vistas no longa Boi Néon, de Gabriel Mascaro.

A partir de planos médios, acompanhamos a protagonista no silêncio automático de ações caseiras, secas como a vegetação que permeia os planos gerais. No mastigar da bolacha e do cuscuz desprovido de líquidos ou acompanhamentos, Soraia engole a seco. Assim percebemos que aquele é um caminho ríspido, árido. No entanto, é também espaçado pelas cores que representam uma saída: o vermelho do caminhão dirigido por Soraia, o amarelo da fachada de sua casa, o céu azul, posto como horizonte.

Quando é quebrado o silêncio – entendido como fala, o filme perde força. Em que pese a boa expressão inicial daquela personagem e a empatia que nos causa sua estranha presença em ambiente hostil, os diálogos que se seguem, algumas vezes até artificiais, fogem à reflexão necessária a esse estranhamento. Ainda que se silencie bastante, as falas aparecem quase manipuladas, como se escritas para serem lidas, não nascidas naquele espaço. É nesse momento que, ao nos revelar o antagonista de maneira quase mecânica, a trama passa a ser previsível. Há uma contradição entre a Soraia que havia retornado e a que está disposta a buscar outros caminhos. Ainda que tenhamos visto, na resposta dada ao ex, o estopim para a transformação/mudança/fuga que se espera, a cena parece montada para criar tensão, mas não cria expectativa.

Desta forma, ainda que apresentando qualidades visíveis, como a fotografia, a atuação da coadjuvante (Gorete, interpretada por Mirela Jatobá) e abordando uma temática atual de forma bem feita, Povoado apresenta problemas de coerência que acabam fazendo com que o filme não engate nem comova como gostaria. Por outro lado, mostra que o cinema alagoano vem evoluindo em qualidade e hoje é capaz de contar uma história de maneira honesta. Continuando nesse caminho, o de não pretender mais do que se pode realizar, não precisaremos, como Soraia, esperar os bois passarem para seguir novos rumos. Antes, precisamos nos reencontrar e enfrentar os fantasmas que nos cercam e habitam.

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