Crítica: Monstro que nada (Direção Coletiva)

Texto: Estevão dos Anjos. Revisão: Larissa Lisboa.

Um filme-monstro

Em uma produção artística, muitas vezes o que está sendo mostrado sugere uma narrativa em paralelo, que é construída tanto por símbolos que direcionam nossos olhares para outras temáticas como pela forma como tudo está disposto. Monstro que nada (2015), produção coletiva do Ateliê Sesc de Cinema, é um filme que se utiliza desse recurso, pois explora duas narrativas que aparentemente falam de universos diferentes, mas que, quando sobrepostas, dão origem a um terceiro filme.

Assim, ao partir de uma abordagem que faz uso da linguagem documental e que aparentemente abordará problemas ambientais em Maceió, em especial o Riacho Salgadinho, o filme passa a ter contornos de terror, com a inserção de uma música mais tensa e com depoimentos de pessoas assustadas após um corpo ser encontrado nas margens do riacho. Logo, é levantada a hipótese da existência de um monstro no local.

Outro aspecto que colabora com o clima de terror criado é a referência a O hospedeiro (2006), dirigido por Joon-Ho Bong, que também narra o surgimento de um monstro em um rio após este receber resíduos tóxicos de uma indústria. Além desse diálogo com o filme sul-coreano, o enquadramento em pichações próximas ao riacho reforçam esse tom que o filme quer dar, em especial na palavra “terror”.

Com isso, ora trazendo depoimentos de pessoas que buscam explicar a presença de possível monstro, ora ouvindo pessoas que falam de outros problemas sociais de Maceió, o filme segue duas linhas narrativas que se fundem de tal forma que fica difícil distinguir onde termina uma e começa outra; o que é realidade e o que é ficção; que monstro é esse que assusta os maceioenses.

E isso se dá pela mistura de relatos de pessoas “normais” com relatos ficcionais, refletindo os vários monstros sociais que nossa cidade apresenta. A essa altura, da mesma foram que a fusão das duas linhas narrativas dá origem a uma terceira perspectiva, o riacho passa a concentrar nele tudo aquilo que de pior há na cidade: violência, insegurança, desemprego…

As várias possibilidades de enquadramento em gêneros diferentes – suspense, documentário e crítica social – é um ponto forte de Monstro que nada, pois ele consegue passear com sucesso entre eles, mas é também um dos seus pontos fracos, pois a mistura de propostas torna o próprio filme um monstro, um Frankenstein que busca ir em várias direções, mas que ao fim não se sabe ao certo o que pretende ser, e tenha nessa indefinição a sua definição.

Bem como é um ponto positivo a escolha de Jadir Pereira, estreitando ainda mais os laços entre ficção e realidade, pois, como mitólogo que de fato ele é, e também ator, encontramos nele o ponto alto da fusão entre esses dois polos. Porém, sua fala deposita em nosso colo toda a reflexão que o filme proporciona, ao explicar o que simbolicamente esse monstro representa, algo que a narrativa já nos tinha dito, não deixando para quem o assiste a lição de casa pensar sobre ele ao sair da sessão.

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