Crítica: Nas Quebradas do Boi (dir. Igor Machado)

Texto: Luiz Henrique de Carvalho. Revisão: Tatiana Magalhães.

Aqui é a quebrada do boi

Quem foi criança em Maceió certamente conserva a imagem do boi bumbá colorido dançando e o vaqueiro com seus enfeites chamativos. É com essa memória folclórica das ruas em época de carnaval ou nas apresentações de escola que o documentário Nas quebradas do boi, de Igor Machado, pretende construir sua narrativa.

Na tela, projetou-se o Vale do Reginaldo e daí partiu o filme para um resgate belíssimo da tradição cultural e periférica de Maceió. Já nos primeiros momentos, podemos pensar em três protagonistas da história que está começando a ser contada: Zé do boi, o próprio boi e a favela do Reginaldo. Como os realizadores do filme, nós somos convidados a entrar na vizinhança de Zé e em toda a comunidade que cerca esse universo.

Aos poucos, vamos nos enturmando com as personagens e transeuntes e ganhando afeição pelos bois Gavião e Águia Dourada. É interessante perceber uma das intenções implícitas do filme: a desconstrução do Reginaldo como um reduto de violência exacerbada, da maneira como é retratado nos noticiários locais policialescos, e a construção da narrativa de um lugar como qualquer outro pequeno vilarejo latino-americano.

Há 15 anos sem sair nas ruas, o boi finalmente voltaria a alegrar a vida dos moradores da região. O documentário retrata todo o processo de confecção, preparação, ensaio e dança para se chegar ao resultado perfeito. Zé do boi é o grande patrono dessa tradição, e fica evidente sua ternura paterna ao conduzir o trabalho. Para aqueles moradores, é muito mais do que mera festividade tradicional: é memória, comunidade, pertencimento, ponto de encontro para catalisar vivências e capital cultural.

Com um estilo fotográfico bastante informal em alguns momentos no aperto de um carro, por exemplo o filme aproxima o espectador para nutrir uma intimidade mais forte com o boi e reativar memórias afetivas.

O documentário, contudo, poderia potencializar sua capacidade reflexiva acerca da memória e da preservação da identidade cultural caso investisse em mais momentos de silêncio. O filme todo é recheado de ruídos, vozes que se sobrepõem e barulhos externos. Talvez isso também represente a vida agitada nas grotas maceioenses, mas alguns breves instantes de silêncio poderiam fortalecer a narrativa do documentário. Entre as passagens ruidosas e agitadas, poderia haver entrevistas mais intimistas com os moradores do Reginaldo e os membros do boi bumbá, em que os silêncios e as subjetividades dessas personagens ficariam mais evidentes. Dessa forma, a força dessas histórias poderia ser elevada.

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