Crítica: NAZO dia e noite Maria (dir. Andréa Paiva)

Texto: Matheus Costa. Revisão: Larissa Lisboa. Imagem: divulgação.

A partir de hoje eu vou ser Maria de noite e de dia. Quem não quiser me ver que fure os olhos, eu vou fazer a minha vontade e não a do povo. NAZO dia e noite Maria, 2021.

Se o tempo é uma continuidade de momentos, dessa sucessão ficaram apenas as lembranças. E mesmo que o tempo nunca pare, como já nos foi dito por Cazuza (1988), ele não passa sem deixar marcas subjetivas, lembranças. Nesse sentido, podemos falar que NAZO dia e noite Maria é uma documentário sobre presente, passado e futuro.

Presente, passado e futuro fundem-se na figura de Nazo, nas suas lembranças e narrativas. Que apesar de trazer todo o sofrimento nos oferecer um convite simpático para adentrar em sua casa e ouvir suas lembranças. Mas não se engane, apesar de transcender alegria e simpatia nas suas narrativas, essas são marcadas por muita dor, medo, exclusão e violência.

A primeira instância de sociabilidade que a nossa protagonista foi excluída foi a família. Acontecimento que afetou suas lembranças, história e futuro, pois o lugar visto como de proteção e abrigo torna-se de violência coercitiva e imposição de um modelo de ser. Aliás, Nazo teve que tornar-se abrigo de si mesma, casa de si mesma e lutar com todas as suas forças para existir no mundo.

Nesse sentido, podemos citar uma frase famosa da Judith Butler que fala que, para “ser” no sentido de “sobreviver”, o corpo precisa contar com o que está fora dele. Quando pensamos em uma realidade que é hostil para um determinado corpo, e que esse corpo não pode contar com o que está fora dele para sobreviver, só resta buscar em outro lugar uma maneira de sobreviver, de ser.

A questão é sobre ser o que é, como forma de sobreviver. Por isso, que NAZO dia e noite Maria nos encanta. Bem como, nos faz ter lembranças de um momento que não vivenciamos, mas que de modo algum nos impossibilita de recordá-lo. Sobreviver e lembrar são formas de existir, basta lembrar de Viva – A vida é uma festa (2017), mas no caso de NAZO dia e noite Maria lembrar e contar são categorias políticas, acima de tudo.

Política, pois visa “abrir fenda em territórios cristalizados”, para citar a sinopse da sessão Fendas, Corpos e Territórios da 12° Mostra de Sururu de Cinema Alagoano. Nesse sentido, NAZO dia e noite Maria tornar-se atemporal, basta um olhar atento para como as questões políticas da população LGBTQIA+ estão sendo tratadas no contexto brasileiro. E por isso que precisamos atualmente da Maria, como uma grande metonímia, para nos lembrar de que nosso desejo é resultado de uma vida em expansão e ser é um direito de todos os seres viventes.

Não só por isso, mas também porque quando queremos eliminar algo alegamos um local de exclusão para ele, uma vida impassível de luto, para assim perpetuar a violência contra tal corpo, excluir e violentar são dois imperativos coloniais de dominação do outro. Acontecimento que podemos ouvir na boca de Nazo, ao falar como seu corpo foi violentamente mal tratado durante toda a sua vida e como apenas ser pode “incomodar” mais do que a tortura física e psicológica, e se podemos separá-las.

Não posso romantizar uma vida com tantos sofrimentos e exclusão, não seria justo com a Nazo. Por isso, gostaria de pensar NAZO dia e noite Maria como uma maneira de ressignificar todas as lembranças ruins, para assim, viver em plenitude consigo e o filme como um dispositivo de fazer existir.

Bom, não há muito o que falar depois de assistir NAZO dia e noite Maria, seja pela leveza como os acontecimentos dolorosos são narrados, a alegria que transcende de Maria, por falar tudo ou por tudo isso, e como não existe o que falar, podemos apenas ouvir da boca de Nazo sua história de vida. E que possamos terminar com a frase da música flutua (2017) “ Um novo tempo há de vencer, para que a gente possa florescer.”

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