Crítica: O retirante (dir. Tarcísio Ferreira)

Texto: Luiz Henrique de Carvalho. Revisão: Leonardo Amaral e Tatiana Magalhães.

O bom filho a casa torna

As cenas do agreste sobrepostas à trilha sonora de compositores locais na abertura do filme já convidam o espectador de O retirante a viajar para o interior de Alagoas e encontrar o relato de Johnson Cavalcante. Filho de costureira e criado no entorno da roça, o estilista conquistou as páginas da Vogue Itália, levando em suas confecções os traços da alagoanidade que formaram as subjetividades do seu olhar.

Na história de Johnson, refletimos sobre o mito de que, para obter sucesso intelectual ou artístico, os alagoanos devem, retirantes, abandonar sua terra e desbravar a lendária São Paulo, ou qualquer outra metrópole que guarde a utopia de ser o berço de todas as oportunidades. Este abandono sugere, inclusive, esquecer sotaque, memória, tradição, e tudo mais que nos formou enquanto sujeitos dessas terras alagadas. Johnson relata que diversas vezes recebeu pedidos para “melhorar” o jeito como falava, como se houvesse um jeito de falar melhor que o outro. Mas, rebelde, não deixou de lado sua história, já que, como ele mesmo relata, não tinha planos de continuar fora e um dia retornaria a sua boa e velha Alagoas.

Talvez se tivesse abandonado sua alagoanidade e assumido uma personalidade metropolitana comum, Johnson jamais teria alcançado as páginas da Vogue, porque seria mais um repetindo uma subjetividade compartilhada por milhares. Mas foi nas peculiaridades do seu trabalho criativo, homenageando os trabalhadores da roça que se cobriam de tecidos para se proteger do sol, que as peças de Johnson chamaram a atenção dos profissionais da moda mais respeitados do mundo e levaram o nome de Alagoas para além do atlântico.

O resgate dessa herança bucólica não está presente somente nas roupas de Johnson, mas também no filme de Tarcísio. Nas imagens de apoio, a família de Johnson nos recebe de forma cordial e hospitaleira, abatendo e depenando um frango para preparar um almoço que encha o bucho de todos. No debate sobre o filme, o diretor comentou que aquele almoço foi justamente preparado para receber a equipe de filmagem, como reflexo da preocupação das donas da casa em receber bem as visitas. As cenas dos animais abatidos podem chocar aqueles que, cegos em sua criação metropolitana entre concreto e asfalto, acreditam que a carne que se vende no supermercado nasce numa bandeja de isopor. Mas essa é uma realidade própria daquelas pessoas do interior, criar seus animais com zelo para um dia comê-los, uma vivência que deve ser, acima de tudo, respeitada e conhecida. Censurar os trechos do abate no filme seria negar a história e a tradição daquelas personagens, da mesma forma que pediram para Johnson negar seu sotaque e, com isso, abandonar sua história.

O retirante é um registro carinhoso de um filho pródigo que ganhou o mundo e voltou para sua máquina de costura onde tudo começou.

Be the first to comment

Leave a Reply

Seu e-mail não será divulgado


*