Crítica: Originários (dir. Marcelo Amorim)

Texto: Estevão dos Anjos. Revisão: Chico Torres e Larissa Lisboa.

Preservando a tradição

Dirigido por Marcelo Amorim, o documentário Originários volta seu olhar para o modo como comunidades indígenas em Alagoas se organizam para a preservação de suas tradições, com foco no papel das crianças nessa manutenção. Seguindo uma proposta tradicional de documentário, o filme dá voz a um grupo de crianças, revelando a sua rotina, seus hábitos e como enxergam a vida em comunidade.

Marcelo é jornalista, talvez por isso predomine em seu filme uma busca por sempre manter um olhar objetivo e distanciado do que é mostrado, respeitando os personagens e suas falas. E a cena aérea inicial, que começa do alto e desce até tocar o chão, representa a chegada da equipe, que vem de fora para dentro, nos revelando que é um olhar de alguém externo à aldeia que iremos acompanhar.

Devido a isso, e por ser seu primeiro filme, o diretor ousa pouco no modo de filmar, fazendo uso muitas vezes da câmera parada, dando destaque às falas de índios adultos e das crianças, algo bastante próximo do que é feito em grandes reportagens, nas quais o objetivo é o registro, e não uma uma leitura ou interpretação do que é abordado.

Mas vale ressaltar dois momentos em que o modo de filmar foge da linguagem que predomina no curta. Como nas cenas que mostram os garotos subindo em árvores, por exemplo, em que há uma variação de foco e desfoco, ora destacando a natureza, ora os meninos, sugerindo essa interação equilibrada entre eles e a natureza, que é um modo de vida que as pessoas das aldeias adotam. Bem como nas cenas em que se registra danças típicas da comunidade, como o toré, e durante o jogo de futebol. Nesses momentos, a câmera se torna mais ágil, acompanhando os passos dos participantes da dança. Nesses registros, nota-se o empenho de dar outra dinamicidade à cena.

Originários fala de preservar tradições, repassando-as às novas gerações. Para explicar como funciona essa transferência de valores, foi dada voz a moradores mais antigos das aldeias, que falam sobre a importância de educar essas crianças para manter viva essas tradições, intercalando-as com depoimentos de parte desses meninos nativos.

Assim, as escolhas de Marcelo Amorim para conduzir a narrativa reforçam o tema do filme, pois há também nelas um diálogo constante com a tradição, nesse caso, a tradição clássica de narrar, com a presença de uma voz externa que apenas observa e relata, numa pretensa objetividade e numa suposta ausência de julgamentos (a inserção de uma fala explicando o tabaco que um dos garotos fuma ao longo de todo o documentário não teria origem em um julgamento moral?).

Tal condução talvez seja um tanto quanto demodé nos dias atuais, em que o sujeito está em evidência, a imparcialidade já foi posta em xeque e a construção de olhares diversos sobre um determinado objeto é vista como algo positivo. Sob esse aspecto, as cenas que seguem após o pouso do drone, em primeira pessoa e espreitando quase que às escondidas a comunidade, distoa do restante do filme, porque nos insere em uma perspectiva subjetiva, mas logo adiante ela é silenciada.

Ainda discutindo silenciamentos, durante o debate após a sessão, a plateia chamou a atenção para o fato de não ter sido dado destaque à mulher indígena, mostrando pouco a sua voz e a sua presença na aldeia. Infelizmente, o realizador não ficou para a discussão para conversar sobre a motivação dessa escolha.

Por fim, gostaria de destacar que em alguns momentos a captação de som não foi muito bem feita, o que dificultou ouvir algumas falas, seja pela predominância de ruídos externos, seja pela dificuldade em captar a voz dos entrevistados.

No mais, Originários é um filme que funciona com registro etnográfico, dá voz a uma parte da comunidade indígena e nos faz refletir sobre a preservação desse povo e de sua cultura.

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