Crítica: Parteiras (dir. Arilene de Castro) e A Porta (dir. Robson Cavalcante e Claudemir Silva)

Texto: Chico Torres. Revisão: Janderson Felipe.

Partos e Portas: Os Limiares da Existência

O primeiro dia da IX edição da Mostra Sururu de Cinema Alagoano teve a morte como tema unificador. O olhar cuidadoso da curadoria possibilitou uma sessão que, diante do tema, trouxe o seu complemento necessário: a presença da vida. Se foi uma sessão sobre a morte, foi também sobre a existência, sobre os limiares que envolvem essas duas instâncias complementares.

Parteiras (dir. Arilene de Castro) e A Porta (dir. Robson Cavalcante e Claudemir Silva), além da presença da aliteração contida nos títulos, parecem condensar as possibilidades de diálogo entre nascimento e morte. As parteiras carregam, junto com a idade avançada, uma série de tradições, saberes e valores de um tempo passado, que não mais resiste como prática, e sim como memória. Nas parteiras existe, como uma evidência gritante, a presença da passagem do tempo: nas rugas, nas falas, nos gestos, tudo sendo a exposição de algo que se maturou com o tempo e desenvolveu um tipo de sabedoria, mas que agora tem muito pouco espaço nos modelos da vida moderna. É através de suas mãos que o tempo irá começar para outros seres, mãos que são as facilitadoras dessa passagem tão dificultosa da vida subterrânea do útero para a luz da existência. Seu gesto parece dizer “venham, essa é apenas a primeira porta que vocês precisam atravessar, mas ainda haverá muitas outras”.

Depois do parto haverá muitas portas, muitos caminhos a cruzar. A porta como limiar paradoxal: espaço de quem entra e de quem sai; lugar que separa o interior do exterior. Se as parteiras facilitam a vinda através do primeiro portal que o ser humano precisa atravessar, “A porta” representa a crise, a ideia de que cada porta que se atravessa representa, agora, a projeção para a morte.

Ambos os filmes possuem muito humor, o melhor antídoto para lidar com a existência, extensa e ao mesmo tempo curta, necessariamente misteriosa. O tom despretensioso de ambos os filmes dá conta de diversos temas de teor filosófico: a existência; a presença da morte; a velhice; a depressão; o papel da tradição. Parteiras e A Porta são filmes irmãos, tratam da vida e da morte como temas que se interpenetram e dão o sabor da vida. Muitas vezes um sabor amargo, mas que com doses de ironia, desprendimento e sabedoria, podem deixar o peso da existência um pouco mais suportável.

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